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Cartas

Surtei de Igreja

Surtei de Igreja

-----Original Message----- From: JANETE Sent: terça-feira, 3 de junho de 2003 09:31 To: contato@caiofabio.com Subject: Surtei de Igreja Mensagem: Rev. Caio, O que dizer para alguém que já ouviu quase tudo? Gostaria de poder escrever alguma coisa diferente de tudo o que o senhor já leu, mas infelizmente não sei como. Mesmo que minhas palavras pareçam mais com um matinho sem graça que insiste em crescer no fundo do meu quintal, do que com um belíssimo jacarandá que invade nossa mente de forma inesquecível, gostaria que o senhor as lesse diferente (já que dizer diferente não dá): eu verdadeiramente amo o senhor, com o mais profundo amor! O senhor é aquilo o que eu quero ser como “humana”, não só em capacidade de traduzir Deus para este século, cuja língua poucos entendem, mas principalmente em essência que se permite ser humano, sem medo. Creio que todos os que te procuramos, identificamos na sua alma aquilo para o que Deus nos chamou à existência. Escrevo como que procurando em mim respostas para as perguntas que a vida me apresenta a cada dia em solicitação. O senhor deve ler e ouvir essa pergunta a cada minuto, por isso vou me encarregar de fazer engrossar esta lista: poderia me ajudar a me entender? Sabe reverendo, tenho vencido, pela misericórdia de Deus, muitos complexos e culpas, mas outros tantos ainda insistem em me perseguir — sei que a responsabilidade é minha, mas ainda não descobri a chave de acesso a esses bloqueios para reprogramar minha ideologia não-ideológica. Surtei com relação a “igreja” e não consigo mais me ver parte “dela”. Estou de saco cheio, não sei se de mim ou “dela”. Perdoe-me o termo grosseiro, mas não consigo encontrar nada que retrate melhor esta minha emoção — negativa, mas emoção e minha. Respirei 34 dos 33 anos que tenho dentro de uma “igreja” e já vivi muita coisa, incluindo o fim do casamento de meus pais incitado por "santos" irmãos. Caminhando e chorando, sempre acreditei que para ser aquilo o que Deus quer....teria que “trabalhar NA igreja”. Por isso, tudo o que estudei e fiz está relacionado à Eclésia. Faço parte de uma comunidade que cresceu bastante em pouco tempo. À ela não mais me adapto pela efervescência a que vem se submetendo — sinto culpa porque não pulo, não choro, não grito e nem rolo, como muitos. A liderança afirma que se eu não sinto vontade de fazer isso é porque não tenho sacrifício para queimar no altar. Eu não acredito nisso: eu e Deus sabemos. Também não concordo com algumas das mensagens ali pregadas...e não só ali. A principal delas gira em torno do mesmo foco: todo ministério tem que ser eclesiástico, não pode ser independente; quem não faz questão de estar com o corpo (leia-se, estando no templo), está fora do propósito de Deus; quem não vem à igreja...lugar físico... não está debaixo da graça...etc. Depois de muito brigar com minha consciência “evangélica”, cheguei à conclusão que isso é discurso para que se consiga manter a estrutura chamada “igreja” que temos hoje. A crise se instaura porque meu dom é o do ensino (coisa que fiz por alguns anos) e não sei a quem e onde ensinar se não dentro dessa mesma “igreja”. Há cinco anos, abandonei o dom porque para mim deixou de ter sentido: não quero holofotes, não quero performances, não quero que saibam o meu nome, não quero que se refiram a mim por qualquer motivo; mas não fazer a única coisa que acredito saber fazer também não faz sentido. Sinto-me perdida neste momento sem saber que caminho seguir, isso porque não “fervo”; porque não faço questão de estar no templo e continuar ouvindo tais discursos de forma religiosa. Isso me leva à privação de transcendência e tem me feito extra-imanente, como diria Boff. Ao mesmo tempo em que não concordo...me questiono até onde vai minha incapacidade de ser submissa à autoridade estabelecida na comunidade que por ora congrego. Até que ponto eu sou um problema? Fico me perguntando se esta inadaptabilidade é realmente discordância da estrutura ou projeção do passado inconsciente. Reverendo, eu realmente preciso estar no que conhecemos “igreja” para que o projeto JANETE—que sou eu—seja realizado? Eu não posso simplesmente fazer cumprir o ministério do coça-costas* e me ver sendo construída à partir dessas pequenas grandes coisas? *Falo sobre isso com meus amigos. Acredito que às vezes o ministério da nossa vida é coçar as costas de uma senhora de 50 anos, sem família, que está internada em um hospital do interior há dois anos e que fez uma anquilose global, mas às vezes pensamos que Deus nos quer em megacruzadas evangelísticas nos Maracanãs da vida. Sei que tenho muito mais a viver além da filosofia “do prato à boca” — uma vez pelo senhor mencionada — mas não sei como... O senhor poderia me ajudar a pensar? Onde estou errando? Um grande beijo da Janete *************************************************** Resposta: Janete, querida: Paz e Bem sejam sobre você! Não tenho resposta a lhe dar. O diagnóstico está correto. O doente está mal. O problema é que o doente não precisa de médico. O hospital virou um fim em si mesmo. Existe para ser visitado pelos doentes e a terapia é dizer aos doentes que eles são os seres mais sãos do mundo. Assim, os sãos não são...e o Hospital virou o negócio dos que vendem a ilusão da cura para os doentes que acham que a terapia é pular...e pular! Ora, isto não é nada além de um manicômio e ficar nesse esquema mata a alma. Jesus, no entanto, nos chamou para “coçar costas”...dar copos com água, acolher os sem abrigos, visitar os infelizes, abrir cadeias e anunciar a boa nova. Isto tudo de Graça. Portanto, seu diagnóstico é igual ao meu...e penso assim faz tempo...quem me leu e não esqueceu não está levando nenhum susto! Minha sugestão é simples: Procure uma comunidade simples...sem pirotecnias...e onde Deus não atenda pelo nome de Mamom. Reúna-se com tais irmãos. Há ainda muitos bons lugares de encontro e culto. Enquanto isto exerça seu dom. Avive-o no Senhor! Organize um grupo de estudo da Palavra e de oração...e prossiga anunciando o reino de Deus. Quanto ao seu medo de estar sendo insubmissa, minha oração é que se sua insubmissão é questionar esse “modelo doente e falido” que está aí...e anelar por encontros verdadeiros com Deus, a Palavra, o Espírito e os irmãos—então, que não haja cura para nós! Deus está para “explodir” alguma coisa...tem algo no ar...tem chuva chegando...sinto seu cheiro! Fique firme e não canse...à seu tempo ceifaremos! Um grande e carinhoso abraço, Caio
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