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Cartas

SEM CHÃO E SEM FÉ PRO PERDÃO - I e II

SEM CHÃO E SEM FÉ PRO PERDÃO - I e II



Pr. Caio,

Venho escrevendo há algum tempo... mais intensamente desde 22.set.04, quando minha esposa decidiu me despejar do apartamento dela...

Sou casado há 5 anos, apesar de conhecer a minha esposa há 7, e sou crente há 15 anos...

Minha experiência de conversão veio junto com a cura física, depois de 2 anos internado com diagnóstico de "bulimia" e de dependência do álcool e de uma vida cheia de experiências heterossexuais e homossexuais...

Tive a oportunidade de ajudar minha esposa a crescer espiritualmente e a encontrar Jesus; isto depois dela também ter tido envolvimento com álcool e drogas...

Somos, ainda, da mesma denominação...

Nosso pastor já nos aconselhou e foi-nos oferecido um "tempo" antes da separação, que foi, abruptamente, rejeitado por ela; que quer mesmo a separação...

Era o meu equilíbrio...

Desde que me separei que perdi o chão...

Sinto um vazio terrível a ponto de já ter pensado em suicídio...

Cheguei a me prostituir (por esses dias), parecendo que tô pretendendo, dessa forma, indiretamente, o suicídio...

Tenho ido aos cultos, e participo inclusive da ceia... Mas isso piora o meu ressentimento; e, ao contrário, só choro durante os cultos...

Parece-me que isso tem aumentado o meu ódio e tenho me sentido (des)graçado... tenho me sentido só... uma solidão infernal... e não tenho suportado as pulsões da minha alma... e tenho feito o possível e o impossível pra não me entregar de cabeça ao álcool e à prostituição... Por favor, me ajude...

Um abraço,


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Resposta:

Meu querido amigo: Graça, Paz e Equilíbrio!


A maioria absoluta dos homens, mesmo quando a separação conjugal acontece por iniciativa deles, ainda assim, fica como você está: sem chão, perdido, desequilibrado, e experimentando estranhas pulsões, e, não raro, a depressão.

Estatisticamente, as mulheres, uma vez separadas, mesmo que tenha sido contra a vontade delas a separação, acabam conseguindo se reorganizar, baixar a poeira, e continuar a vida, com um mínimo de ordem e seqüencialidade nas coisas que realizam.

E por que será isto?

Ora, as razões são muitas, e variam de homem para homem, mas o resultado, quase sempre, é a experiência, no mínimo, de uma estação como esta que você está vivendo. Entretanto, é fato que os homens não sabem, em geral, viver sozinhos, e sentem uma terrível insegurança relacionada à casa, à comida pronta, à roupa lavada, e à necessidade de um pouso, um lar; e que, para os homens, é, também em geral, uma dádiva da mulher.

Normalmente, quando o homem se separa, o lugar onde ele se sente mais inseguro é dentro de casa, onde ele não sabe nem onde fica a “pimenta do reino”.

Já a mulher, repito, também em geral, aflige-se, quando da separação, com a sobrevivência financeira, e com questões bem práticas, como o cuidado com os filhos e o sustento deles. No entanto, nenhuma das angustias diz respeito a saber organizar uma casa e a vida como um todo. Todavia, se a mulher trabalha e tem seu próprio dinheiro, ou se tem um marido candidato a “ex” que seja amigo e responsável, e tenha a consciência de seus deveres familiares com ou sem casamento, a tendência da mulher é logo se re-arrumar, ajeitar a casa, trabalhar sério, concentrar-se em seus objetivos, e na continuidade da vida; muitas vezes tornando-se até mais belas, mais livres, mais seguras, e, com a casa muito mais bem arrumada do que antes, quando havia um jogador de toalhas, um largador de sapatos, um espalhador de meias, um menino adulto, chamado marido e pai, e que, muitas vezes, dá mais trabalho e gera mais preocupações que as “crianças”.

O fato é que nós, homens, somos muito fracos e mal acostumados, e não nos damos conta disso, e nem valorizamos a quietude e paz que nos é dada como decorrência de uma boa conjugalidade. Então, o cara pensa que aquilo está ali, na vida dele e em casa, acontece por geração espontânea; e julga que aquele “trabalhinho” feito em casa não é trabalho; e que aquelas coisas ali realizadas são o feito tolo de uma pessoa menos competente, a mulher; até que chegue o dia no qual ele tenha que aprender, longe da saia da mamãe, com quantos paus de faz uma cangalha.

De fato, o homem passa da mãe para a esposa, e sai de uma ordem para outra, e pensa que o mundo é assim.

Ora, estou lhe dizendo isto apenas para lhe dizer que este mesmo sofrimento se cumpre em muito de sua irmandade masculina espalhada pelo mundo. Portanto, se lhe consola, saiba: é absolutamente comum que seja assim!

Dito isto, quero também dizer que se sentir só nesta estação da vida, muitas vezes acaba por levar o homem àquilo que você chamou de “tenho me prostituído”. Quase todos os homens, especialmente os que se sentem “deixados”, acabam por viver uma estação meio descacetada, na qual acontecem coisas como essas... até que o próprio indivíduo percebe a bobagem, e começa a se acalmar; acabando por encontrar, com boa sorte, uma mulher minimamente legal, iniciando assim o processo de re-assentamento.

No entanto, quando o cara entra numa de se tratar como um pervertido por estar experimentando a carência como “fuga” para pequenos programas sexuais, acaba por ficar muito pior; isto por se julgar um tarado, um inconseqüente, um doente do comportamento; e, desse modo e por essas razões, abisma-se cada vez mais profundamente naquilo que “precisa” (como fruto da carência e da insegurança), mas que detesta, em razão de seu desejo por uma vida calma e organizada. Portanto, ficar se tratando como um safado e prostituto nessa estação da vida, fará de você um safado e prostituto, um menino que vive de beliscadas em garotas de programa ou em meninas que “dão mole na esquina”.

Dessa forma, meu amigo, a primeira coisa a saber é que ainda que não precise e nem deva ser assim, é assim que a alma masculina, se sentindo abandonada, acaba por reagir na maioria das vezes. E, assim dizendo, não estou estimulando você a se prostituir, mas apenas a saber que esse caminho acontece na vida da maioria dos homens em seu estado. Portanto, o que digo a você é que você não é uma aberração—e a maioria dos homens honestos, que um dia se separaram nas mesmas condições, se desejarem, têm histórias semelhantes para lhe narrar.

Ora, estou dizendo tudo isto porque além da dor da separação—que é enorme—, você também está sofrendo de uma dor mais perigosa, que é a dor moral. E mais: a sua dor moral é complexa, visto que você se culpa por ter sido deixado, por não ter dado conta do recado, por não saber como se conduzir, e por, além disso, ainda recorrer a algumas meninas na praça para aliviar a solidão; e mais que isto: a fim de expressar, de modo inconsciente, uma outra necessidade: provar para si mesmo que não está brocha e impotente.

Veja que este último aspecto acontece porque o sujeito “deixado” fica profundamente alterado em sua segurança masculina, e, em geral, parte para a rua, a fim de provar para ele mesmo que não é nem brocha e nem impotente. Só que, no seu caso, isto lhe gera culpa e sentimento de degradação, e isto em razão do modo degradado como você experimentou o sexo antes de seu casamento e conversão. Desse modo, aquilo que para a maioria dos homens que não freqüentam igreja e não têm mentalidade religiosa acaba por ser apenas uma estação infantil de provas de “competência” (todas bobas, mas que para eles dão uma certa aliviada no ego ferido), em você está se tornando em morte, e em culpa moral com poder de sugerir a você a idéia do suicídio.

De fato, por mais saudades que você possa, eventualmente, sentir dela (aliás, você não falou de amor, e nem da dor do amor na sua carta), sua carta revelou mais de seu estado de insegurança geral do que de sua falta da esposa. E mais: mostrou sua insegurança como busca de afirmação masculina, buscando mulheres na rua; o que gerou em você a culpa que você hoje experimenta com degradação; e é dessa culpa moral que vêm seus desejos autodestrutivos. Ou seja: você está sofrendo de culpa, muito mais do que qualquer outra coisa.

Assim, meu amigo, saiba que você não é um monstro, mas apenas um homem, vivendo a insegurança de sua própria imaturidade emocional, e, também, apavorado pelas lembranças de como um dia foi a sua vida; e, sofre porque agora se vê re-editando algumas daquelas coisas; e fica se sentindo horripilado ante a possibilidade de que sua existência volte àquele piso anterior; e, assim, você acabe por se desgraçar.

De todo o coração eu lhe digo que o simples fato de ficar sabendo que é assim que “em geral” acontece, já o ajudará bastante a não piorar a si mesmo, julgando-se com as categorias mais perversas e autodestrutivas possíveis: a da moral diabólica, que, nesse caso, não ergue a vida, mas vem apenas para matar, roubar e destruir. A moral é ótima quando está tudo bem, mas é o diabo quando a vida está passando por estações de mudança, culpa, medo, insegurança, carência, e busca de um novo chão.

Sugiro a você os seguinte:

1. Quando as pulsões vierem fortes (as mesmas que você disse que não suporta mais sentir em sua alma), conte a elas essa história; sim, converse com seu coração e explique a ele que você sabe porque ele está tão perturbado; e, assim, acalme a sua alma. Ela vai se acalmar uma vez que você a reconheça, e a respeite em sua insegurança.

2. Saia com os amigos, mas não “encha a cara”. No entanto, saia de casa e ande com gente legal, que entenda o seu momento, e não o julgue por ele. No entanto, não se julgue mal, pois é de acordo com nosso juízo pessoal acerca de nós mesmos, que a gente acaba por se comportar do lado de fora. Baixa auto-estima abisma o indivíduo num poço tão profundo quanto seu próprio sentir abismal, e que decorre da moral implacável, mediante a qual ele julga a sua própria vida. Um abismo chama outro abismo apenas porque perto de um abismo sempre há outro. Abismos nunca são solitários. E quem põe o pé num, acabará por conhecer, apenas por gravidade, mesmo que não saia do lugar, a queda que vai remetendo-o de um buraco para o outro. Portanto, não se julgue como sendo um ser perverso, mau, tarado, prostituído, e interrompido; pois, nesse caso, você mesmo viverá para realizar essa autoprofecia.


3. Dê um tempinho, e, ao invés de sair com mulheres e mulheres, busque encontrar uma namorada legal. Não parta logo para a aflição de casar (muitas vezes apenas para arrumar a casa e a vidinha como antes), mas vá conhecendo a pessoa; e não case com ninguém como “solução” para a sua vida; mas tão somente se a relação for boa, prazerosa, alegre, e cheia de afinidades. Os piores “novos casamentos” são os que surgem como decorrência do homem (e da mulher também) desejar uma solução. Sim, casamentos de solução geram muitos problemas.

4. Não fuja de sua igreja, e nem daqueles que sendo irmãos na fé, são também irmãos na vida. Também não se julgue indigno da comunhão. Não entre na do diabo. É ele quem sugere que o homem só está bom para Deus se estiver bom e bem para os demais homens. Essa é a fé dos fariseus: sãos que não precisam de médico. Ora, você sabe que com Jesus não é assim.

Eu teria muito mais a lhe dizer, no entanto, por hoje, vou ficando por aqui. Discirna, no entanto, as coisas que lhe disse, e, bote-as em prática, pois, eu sei que o resultado será bom; e será de vida e paz.

Mantenha o foco, e não pense que a vida acabou. Há muito mais poder na vida do que há num casamento quanto a poder destruí-la; mas isso depende da atitude, da resposta, e da disposição mental de não se entregar ao caminho largo, que é fácil apenas porque para o abismo e de ponta cabeça, todo santo ajuda.

Receba meu carinho, amigo querido. E também conte minha oração.

“Senhor, acalma e pacifica o coração de Teu filho, e dá a ele a serenidade que sua alma necessita agora. Mostra a ele o Teu amor, e guarda o coração dele na certeza de Tua Graça”.


Nele, que não se divorcia de nós quando nos divorciamos,


Caio
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Você já me respondeu muitas coisas, mas restaram explicações que, uma vez dadas, obriga nova resposta... Assim, reproduzo sua resposta e meu novo questionamento... lá vai...
"SEM CHÃO E SEM FÉ PRO PERDÃO"

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Pastor,

Vou continuar meu tratamento a partir da parte final da sua resposta, pois foi o que mais me perturbou ... "O amor que eu não falei que sentia"...

Tenho deflagrado um processo de odiar a minha esposa, e que é outro resultado desses acontecimentos e do qual eu tenho vergonha...

Assim, tratei de manter vivos na minha memória todos os atos falhos e injustos da parte dela, principalmente aquele dela ter se aproveitado de eu estar viajando a trabalho e ter levado coisas pessoais, tais como livros, uma TV e vídeo... Isto é: eu fui despejado por ela enquanto trabalhava fora da cidade...

Por isso é que eu não mencionei esse amor que, inclusive e a bem da verdade, parece crescer enquanto quero odiá-la... Tenho, sim, lembrança dos abraços demorados que ela me dava; depois do sexo, que me fazia sentir abraçando o mundo inteiro... Sinto saudades dos seus beijos e de seu carinho em meu corpo... carinhos inconfundíveis e únicos...

Enfim, pastor, é isso e são essas coisas do amor que eu quero esquecer...

A tal "minha" casa que eu procuro re-organizar"... sou obrigado a revelar a você que, de uns 3 anos até a data da separação, me vi obrigado, por queixas dela, a aprender a cuidar. Tive que aprender a cozinhar minha comida (se quisesse comer, já que ela come fora de casa com os tais tickets-refeição), lavar e passar a minha roupa (se quisesse)... e, pior: limpar tudo o que eu sujasse... Fiz até curso de culinária pra me virar... É claro que você vai me dizer: “Você quer prova maior do desamor dela?”... Mas eu tava tentando algo do tipo: "SALVAR MEU CASAMENTO" ...

COMO MANTER A COMUNHÃO COM OS MEMBROS DA NOSSA ATUAL DENOMINAÇÃO EM MEIO A UMA SEPARAÇÃO CHEIA DE DOR E FALTA DE SANTIDADE DA MINHA PARTE ?

Como fazer isso, Caio ? Você mesmo se distanciou dos seu pares na época do seu drama conjugal... tá sendo muito difícil pra mim ter que ver a ela e minha enteada, e sentir que se quebraram laços importantes pra mim: amor e sentimento de família (gregário)...

"Sem chão e sem fé" (nas mulheres e no futuro)...
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Resposta:

Meu amigo querido: Graça e Paz!


Ela não só não ama você, mas é também muito ruim de jogo. Obviamente que não sei o lado dela, mas sei o modo como você sentiu, de modo prático, o que ela fez a você. Sei que você também deve tê-la magoado, mas também sei que o modo mais simples de uma pessoa se separar da outra não é fazendo o que ela fez, mas apenas dizendo, na boa, um mero e decido “não quero mais”.

Sei que há pessoas que conseguem amar a quem não as ama no casamento. Pessoalmente, numa relação conjugal, não creio que seja saudável amar quem não nos ama. Acho que se fosse comigo o amor acabaria como amor conjugal, e sobreviveria apenas como amor fraterno.

De fato, acho que você só a está amando com tanto ódio assim porque está também muito culpado pelas coisas que eventualmente fez “fora do casamento”.

Parece contraditório, mas é assim que a alma funciona, muitas vezes.

Fique livre dessa culpa e você ficará livre desse amor sofrido!

Quanto a ter perdido a fé nas mulheres, é bobagem sua. Ela agiu mal com você, mas não o traiu, como você fez com ela. Quem trai, meu amigo, tem que ser homem e viver com as conseqüências, ao invés de se sentir vitima quando a mulher bota as roupas do cara na rua. Aliás, pelas ações dela, fazia tempo que ela estava “cantando essa bola”, e, sinceramente, acho que você a subestimou.

Com relação a ficar na mesma comunidade e a ter “me chamado como exemplo” para a questão, devo dizer a você o seguinte:

1. Eu não me afastei de “meus pares”. Nunca tive isso. Tinha amigos. E não me afastei deles, eles é que se separaram de mim.

2. Também esse não seria um problema para mim. Sou independente demais, e, se tiver que ficar longe de algo a fim de facilitar as coisas, faço-o sem problemas. O que eu dou valor é a viver em paz.

Assim, meu amigo, você é quem decide. Para mim nenhuma das duas coisas seria um problema—ficar ou não ficar—, pois, se pudesse e quisesse ficar, ficaria; e se não devesse, sairia sem problemas, e procuraria um outro lugar.

Pense nisso e me responda!

Um beijão!


Nele,


Caio
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