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Cartas

O MINISTÉRIO PASTORAL ESTÁ ME MATANDO

O MINISTÉRIO PASTORAL ESTÁ ME MATANDO

----- Original Message ----- From: O MINISTÉRIO PASTORAL ESTÁ ME MATANDO Sent: Tuesday, May 04, 2004 2:58 PM Subject: Preciso de ajuda! Queridíssimo Reverendo Caio... Estou precisando de ajuda. Na verdade, preciso de um amigo. Sei que será impossível para o irmão sê-lo, porém caso possa me escrever algumas palavras, certamente me ajudará sensivelmente. Tenho 33 anos de idade e estou no ministério pastoral há quatro anos. Sou casado há dez anos. Me formei, fui consagrado ao ministério e assumi o meu primeiro trabalho como pastor de igreja local. Abro um parêntese, Pr. Caio, para dizer que acredito que nenhum novo pastor deveria assumir um ministério titular sem um acompanhamento próximo. Sou pastor de uma igreja muito histórica (disse o nome), e em nossa denominação não há qualquer preocupação nesse aspecto. Uma igreja interessa-se por determinado pastor, convida-o para assumir este ministério, e caso o pastor aceite, transfere-se normalmente. Porém, para um novo pastor, sem qualquer experiência direta com o ministério e suas complexidades, torna-se uma experiência difícil e até traumática. Não digo isto apenas pelas complexidades do ministério, afinal é para lidar com elas que um pastor é chamado. O problema é a vida deste pastor. Sua alma, seus medos, seus complexos, traumas, pecados. O problema é não ter um colega por perto. Não ter com quem abrir o coração, pedir ajuda, compartilhar sofrimentos. Trava-se uma batalha com ferimentos crescentes que não são tratados. Tenta-se esquivar-se deles, considerá-los inexistentes, porém nada disso resolve. Foi isso o que aconteceu e tem acontecido comigo. Assumi meu primeiro pastorado muito feliz e animado. Cheio de sonhos e projetos no coração. Com minha amada esposa me apoiando e se envolvendo comigo no trabalho. Assumi uma igreja “jovem”, cheia de potencial, com uma liderança integrada. Algumas complexidades logo se formaram: líderes antigos e pastores anteriores se congregam lá. Na verdade, acredito que nada disso é complexo demais para alguém que consegue lidar com tais pressões. Logo vieram tantas pressões, na verdade pequenas pressões que se somaram e foram incomodando gradativamente. Externamente tudo ia bem. O trabalho frutificou na medida do possível. Considero tudo isso graça absoluta de DEUS. Por dentro eu estava cada vez mais triste e infeliz. Suportei três anos, sete meses e sete dias. Fui convidado por uma igreja em uma cidade no interior...e fui. Esta igreja tem complexidades muitíssimo maiores e difíceis de se lidar. Tenho uma convicção, juntamente com minha esposa: acreditamos que DEUS queria que nos transferíssemos, havia um propósito para nosso aprendizado. Porém, sei no fundo da minha alma que não suportei as dificuldades do outro pastorado. Em nenhum momento fui ofendido, agredido, insultado ou algo dessa natureza naquele trabalho. Apenas não consegui lidar com as dificuldades que se somaram. Não consegui continuar pastor naquela igreja, naquela cidade. Não tinha com quem contar, talvez devesse ter procurado alguém, mas não havia alguém que meu coração sentisse que se importaria o suficiente comigo e meus sofrimentos. É claro que em tudo isso, minha esposa e eu sofremos como casal. Não tivemos problemas conjugais graves, mas imagino o quanto ela sofreu e sofre por me ver profundamente infeliz no ministério. Ela é a fonte máxima de DEUS em minha vida, mas não consegue consolar-me suficientemente. Como minha esposa sofre. Como eu a faço sofrer por não conseguir lidar com tudo isso e naturalmente não conseguir ser feliz. Pr. Caio, neste novo ministério, naturalmente assumi problemas muito maiores. A igreja que estou pastoreando viveu um ministério anterior a este que estou exercendo de apenas seis meses. Houve graves problemas entre o pastor e a igreja. Problemas até inacreditáveis. E depois de um ano a frente deste trabalho, estou exausto e desencorajado. Acredito que o problema esteja em mim. Não tenho mais alegria. Não consigo orar, não consigo entender, não consigo mudar o que sinto. Estou, na verdade, desesperado. Sinto que minha esposa percebe cada vez mais. Tenta me animar, inclusive ela me encorajou a escrever para o irmão. Cheguei em um ponto em que não acredito mais em amigos. Não acredito que alguém possa se interessar por mim. Os colegas de ministério estão cada vez mais distantes e isolados em suas lidas particulares. Inclusive estou a pouco tempo na região e tenho poucas amizades verdadeiras. Pior, na cidade onde estou só tenho contato com os próprios membros da igreja, e portanto, não tenho com quem falar de verdade, mostrar minha alma, chorar, mostrar o que de fato sou e estou sentindo. Isto que estou escrevendo, escrevo com lágrimas nos olhos porque nunca pensei que um dia escreveria um pouco daquilo que vem se acumulando em mim. Aliás, Pr. Caio, ontem estive meditando e com o acúmulo de tudo isso, tenho a impressão de que estou perdendo as esperanças. Em apenas cinco anos de ministério, não há um único dia em que eu não pense em desistir. Agora, estou vivendo uma realidade prática na igreja que precisa de um posicionamento meu. As críticas começaram a se intensificar (tenho muita dificuldade com as críticas) e eu preciso me decidir. Minha esposa me disse que estará sempre ao meu lado, caso eu não agüente e desista, ou caso eu enfrente com coragem e confiança em DEUS essas pressões. Ela afirma que encararia, mas que não pode fazer isso por mim, afinal eu sou o pastor. Ela fica numa situação terrível. Sabe o que fazer, tem forças e equilíbrio emocional para isso, mas não pode fazer o que eu devo fazer. Tenho que tomar uma decisão, tenho que decidir a agir. No outro ministério, fugi, não agüentei, não suportei. Caso isto ocorra novamente, será um ciclo vicioso que se perpetuará em todos os lugares por onde eu passar (levando minha esposa a sofrer comigo). Preciso me decidir. Mas sinto-me completamente fora de prumo, sem forças, sem coragem, sem atitude. Pr. Caio, é melhor eu finalizar porque está ficando muito longo e não quero incomodá-lo. Não sei o que fazer. Sei que devo orar e confiar em nosso DEUS, mas não consigo. Falo um pouco com Ele, mas não sinto mudança. Culpo-me cada vez mais, estou a ponto de ter um colapso. Agradeço sua amável atenção. Praticamente, nunca a tive. Confio no irmão. Creio que o irmão se importa, se interessa. Creio que o irmão está preocupado com o reino de DEUS na terra e naturalmente com aqueles que fazem parte dele. Creio que o irmão é um instrumento, principalmente para ajudar os feridos e desencorajados que não tem com quem contar. Por isso estou lhe escrevendo. Desde já, sinto-me feliz por compartilhar um pouco da minha alma com o irmão. Que DEUS continue a abençoá-lo e fortalecê-lo em suas lidas e desafios. Receba um abraço carinhoso e grato. Em Cristo, ____________________________________________________________ Resposta: Amado amigo no Senhor: Que o amor de Deus o agasalhe nesta hora! Meu querido, o sistema é triturante porque não é verdadeiro com a condição humana. No nosso meio quem tem uma “vontadezinha a mais” já é considerado chamado para o “pastorado”, que, também em nosso meio, é uma fôrma-pronta, onde ou o cara vira David Cooperfield a fim de “caber” naquele aperto pré-fixado; ou ele morre de angustia e amargura, pois, sempre se sente aquém das expectativas. No N.T. não existia tal coisa. As pessoas serviam a Deus conforme os dons que haviam recebido, e nada disso era uma “profissão”, mas tão somente uma dádiva de vida. A maioria das pessoas com dons pastorais que conheço são leigas, e praticam os seus dons sem nenhum reconhecimento humano. E a maioria dos pastores oficiais que conheço, são, na maior parte das vezes, ou gente deslumbrada com a proeminência do cargo—esse vão ficando estereotipados e congelados—, ou são bons gerentes de programa, com alguma facilidade de falar em público. Nada além disso. Aquele trabalho de cuidar de vidas, de ajudá-las e amá-las, e de conhecê-las e se envolver com elas—que é o trabalho do pastor—, já ficou para trás faz muito tempo. Daí, a maior parte dos pastores verdadeiros, os que cumprem esse singelo e doce ministério, serem leigos, e não serem vistos em seus dons apenas por não terem o Diploma. Acho que você deveria pensar com muito carinho e em total consenso com sua esposa, se, de fato, seu dom é esse; ou seja: de gestor de forças comunitárias, que basicamente é o que o pastor faz numa denominação histórica como a sua. Se vocês concluírem que não é esse o chamado, não force as coisas. Deus não nos chamou para fazer nada gemendo, mas com alegria; ou, se gememos, mesmo assim, quando o chamado está presente, não se perde a alegria. Portanto, salve sua alma, pois o “ministério” vem bem depois. Achar amigos nesse meio é mais difícil que achar ouro em pó nas areias de Copacabana. Infelizmente, o modo como as coisas se constituíram, trabalha contra a amizade e a confiança. Isto porque em cada outro “colega” tem-se um potencial competidor, e como a “igreja” não tem uma teologia da Graça, mas da Lei, toda fraqueza humana precisa ser denunciada. Só haverá e só há amizade entre pastores quando a “teologia moral” dá lugar ao Evangelho da Graça. Ore e pense com calma. Você não foi chamado para a depressão e a auto-violência. Há muitos dons, e infinitas formas de servir a Deus, sem destruir a alma e a alegria do coração. O ministério é confirmado pela alegria! O que você pode fazer também é buscar tentar uma experiência na qual você seja “auxiliar de outro pastor”, a fim de sentir como as coisas andam para você numa relação menos pesada. Quem sabe você se oferece para fazer apenas aquilo que você ama. Ninguém deve fazer o que não ama; especialmente quando se trata de serviço a Deus e ao próximo. Receba meu beijo carinhoso. Nele, cuja Graça é multiforme, Caio
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