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Cartas

O CRISTIANISMO É ETNOCÊNTRICO?

O CRISTIANISMO É ETNOCÊNTRICO?

-----Original Message----- From: O CRISTIANISMO É ETNOCÊNTRICO? Sent: terça-feira, 16 de março de 2004 14:15 To: Caio_Site Subject: A BÍBLIA É! Mensagem: Oi, Pr. Caio Fábio! Tudo bem? Tenho sido muito edificado aqui, e leio tudo. Sempre que posso corro para ver alguma novidade ou ler algum artigo. Posso fazer uma pergunta? O que você acha do etnocentrismo cristão? Jesus era etnocentrista? E a Bíblia? Penso que a bíblia é! Vejo as culturas onde o cristianismo chega e tudo se deturpa. Como falar de Cristo sem atrapalhar as culturas alheias? Ah...e o que você acha do Leonardo Boff e Ruben Alves? Você acha legal os livros deles...e a visão teológica? Bom, tenho usado a minha vida pra falar mais sobre a Graça. Realmente tenho aprendido muito aqui. Confesso que vivo em crise nesse mundo de hoje. Parece que sou ET. Tantos pesos...por isso...quando falo de Cristo, falo de Graça. Um beijão, Marcelo __________________________________________________ Resposta: Meu amado amigo: Paz! A Bíblia é etnicista nas ações do povo judeu, e nos textos de Moisés e alguns dos profetas. A promessa feita a Abraão, todavia, não o era. “Tu serás uma benção para todas as famílias da terra”. Durante a construção da nação judaica o etnicismo chegou ao seu ápice. No entanto, os profetas Isaías, Amós e Jerêmias, afirmavam que o “Servo do Senhor seria luz para todas as nações”, inclusive para os povos “para além dos mares”. Jesus disse que não havia sido enviado, historicamente, senão para “as ovelhas perdidas da casa de Israel”. O episódio da siro-fenícia bem expressa este “momento” de Jesus. Todavia, aquele limite era apenas pedagógico. Isto porque as grandes afirmações de fé que Jesus fez, promoveram pessoas de fora da comunidade de Israel. O Centurião romano que o diga: “Nunca vi em Israel um fé como esta!”—disse Jesus acerca daquele oficial. O livro de Atos termina o etnicismo desde que o capítulo 8. E tal realidade se configura definitivamente em Atos 11, após a conversão de Paulo e o início de seu ministério. Em Paulo a mensagem se tornou completamente universal! A preparação fundamental para que esse caminho se pavimentasse foi a visão de Pedro, em Atos 10, em sua preparação espiritual para aceitar os gentios, no caso, os da casa de Cornélio. “Ao que Deus santificou não consideres comum ou imundo”—referindo-se a homens, não a bichos. “Em Cristo não há sexismo (homem e mulher), nem segregação racial (escravo ou liberto), e nem etnicismo (bárbaro, cita, judeu, grego, etc...); pois, todos, são um em Cristo”—conforme o ideal apontado por Paulo. A teologia de Paulo—se é que se pode chamar o que Paulo ensinou de “teologia”—abriu, para sempre, os horizontes dos aplicativos do evangelho, e trouxe a mensagem como conteúdo para dentro de qualquer contexto cultural. “Faço-me de tudo para com todos...para salvar alguns”. A leitura das cartas de Paulo e a pratica católica (universal) de sua pregação—evangelizando a toda criatura debaixo do céu—não dá margem a nenhuma possibilidade de etnicismo cristão. Ora, Paulo apenas entendeu que o mundo era o lugar onde o Reino tinha que ser pregado. A ordem de Jesus era que o evangelho do reino chegasse aos confins da terra. A leitura do Apocalipse nos mostra, ao final, que subirão à Nova Jerusalém, todas as nações da Terra, a fim de louvarem o Cordeiro. Portanto, há sim etnicismo na Bíblia, mas tal realidade é judaica, e diz respeito à sobrevivência histórica dos judeus, mas não tem nada a ver com a mensagem que pervade o espírito da Escritura, e o sonho dos profetas. Os cristãos quase nunca conseguiram deixar essa realidade no plano da proposta do Evangelho e da compreensão de Paulo, porque para a “igreja” pós-constantiniana, a cultura católica era parte do Evangelho. Assim, a essência da Palavra foi roubada, e a Teologia Moral da Igreja destruiu culturas. Talvez nenhuma outra “religião” da Terra tenha desconstruido mais culturas que o cristianismo histórico. Primordialmente, o cristianismo anuncia sua moral como salvação. O Evangelho só é aferido como tendo se estabelecido numa sociedade—de acordo com a visão cristã—se a dita sociedade se deixar converter aos costumes e morais criados pelo cristianismo. Assim, sem moral cristã não há sinal de conversão. E, para que isto aconteça, culturas inteiras precisam ser dizimadas. O que o cristianismo fez no mundo não pode ser chamado de “evangelização”, mas sim de conquista econômica, política, social, cultural e, sobretudo, da dignidade dos povos. Portanto, não era evangelização, mas estupro religioso contra todo valor anterior e que diferisse do paganismo cultural cristianizado em Roma. Quanto a Alves e Boff, digo o seguinte: 1. Rubem Alves: É ótima leitura. Quem tem alma, ama. Mas não é trabalho bíblico, é de natureza fenomenológica, e carrega imenso valor psicológico; sem falar nas analises de natureza social e histórica que alguns de seus livros fazem em relação ao protestantismo, que são ótimas. 2. Leonardo Boff: Também ótimo para se ler. Seus livros são teológicos, embora completamente vinculados à tese da Teologia da Libertação; portanto, bastante pré-condicionados. Mas não há ninguém que os leia de boa mente e que com ele muito não aprenda, até nas coisas nas quais eu julgo que ele erra. Em suma, leio a ambos como pensadores cristãos, e acho que eles têm alma, que é algo que quase inexiste nos ambientes cristãos. Receba meu carinho, Caio
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