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Cartas

ME PERDI PELO CAMINHO... ONDE?

ME PERDI PELO CAMINHO... ONDE?



----- Original Message ----- From: ME PERDI PELO CAMINHO... ONDE? To: contato@caiofabio.com Sent: Monday, October 25, 2004 7:31 PM Subject: me perdi de mim mesma Olá Caio! Tudo bem contigo? Estou completamente perdida e não sei o que fazer.Tenho 39 anos, sou noiva de um homem que eu amo e que me ama também, sou jornalista, escritora... Entre outras coisas,sou filha adotiva, assim como minha irmã, que é surda e limítrofe. Fomos muito bem criadas por um casal simplesmente maravilhoso. No Natal de 1980 quando eu estava com 14 anos, meu pai morreu e de lá pra cá eu me sinto meio viva e meio morta. Com 24 anos fiquei com uma doença auto-imune, Miastenia Grávis, que me deixou ficar numa cadeira de rodas, paralítica, por 1 ano e meio. Foi aí que entreguei minha vida a Jesus. Melhorei espantosamente após uma cirurgia, e me tornei super ativa na igreja que freqüentava. Passados alguns anos, levei o maior tombo e tive um traumatismo craniano que deixou de seqüela uma labirintite e pânico... Além de fobia de escadas e espaços abertos. No dia 17/7/97 conheci minha mãe biológica de forma sobrenatural. Foi o próprio Deus quem me levou pelas mãos até ela. Há 10 anos venho tentando encontrar um tratamento psicológico, psiquiátrico e médico que me deixe ter uma qualidade de vida razoável, pelo menos. Montei um escritório de assessoria de imprensa onde trabalhei por 13 anos. Até que, em dezembro de 2002, tive um probleminha com uma funcionária e com um cliente, e pronto: decidi parar com tudo e fechei o escritório, decidindo nunca mais trabalhar com isso. Daí fiquei numa TV a cabo apresentando um programa de TV voltado para o terceiro setor, até a metade do ano passado. Lá eu ganhava 10% do que estava acostumada e não consegui arrumar mais patrocinadores. Com isso, as contas foram chegando e meu nome sujando (até hoje); e desde então, me encontro numa letargia só, e com medo de alçar novos vôos. Assim que saí da TV lancei um livro autobiográfico (que foi o maior sucesso e vendi tudo em 6 meses sem muita divulgação), ajudei milhares de pessoas com a minha história. Daí entrou 2005 e cada hora tento fazer uma coisa e nada dá certo. Pretendemos nos casar em 2006, mas sem grana não dá, e com o que meu noivo ganha, não estamos conseguindo nem guardar dinheiro. Moramos com nossos pais. E justo eu..., que havia conseguido realizar meu sonho de ser independente: morei 2 anos sozinha, num bairro nobre daqui, comprei o carro dos meus sonhos, e, de repente, vejo ruir tudo isso... Fui perdendo tudo o que conquistei e, hoje, até sem carro e sem saúde eu estou. Minha tireóide está atrofiando e simplesmente parou de funcionar, e passei o mês de setembro inteirinho de cama, com depressão e sem forças nem pra levantar da cama. Não freqüento igrejas há 3 anos (desde que tudo começou a ruir), mas não creio que tenha a ver com isso. Estou tomando antidepressivo, hormônio pra tireóide, cortisona pra miastenia, e estou cada vez pior. Meu pai me criou para que eu fosse bem sucedida profissionalmente e vivia exibindo a minha performance nos estudos para todo mundo. Cresci com esse peso de "ter que dar certo" que hoje me deixa com todos esses limites. E depois que fechei meu escritório, fiquei completamente sem identidade profissional, sem conseguir (de forma alguma) encontrar algo pra fazer que eu realmente goste e persista. Mudo de idéia como quem troca de roupa. Isso não é normal e já não sei mais o que fazer. Será que você poderia me dar alguma direção? Talvez me esclarecer aonde foi que me perdi e como fazer pra encontrar o caminho de volta? Será que depressão tem poder pra fazer todo esse estrago? Será que Deus quer me mostrar algo que não estou conseguindo enxergar até agora? Eu vivo perguntando pra Ele o que fazer da vida e nada de resposta. Sinto-me como uma criança de castigo. Caio, por favor me ajude. ___________________________________________ Resposta: Minha querida amiga: Graça e Paz! Hoje em dia parece ser impossível para uma pessoa moderna e urbana, pensar que possa ser possível apenas tomar decisões, simples e práticas, sem fazer a exumação psicológica dos problemas que possam ter a ver com os perfis psicológicos existentes e justificadores de muitas formas e estados de ser e sentir. Veja! Você quer saber “onde” se perdeu. Que hora foi essa. Que fenômeno foi esse. Etc... O Filho Pródigo não buscou saber onde ele se perdeu — e foi muito antes de sair de casa —, mas somente discerniu que estava mal e perdido, e, por tal constatação “Levantou-se, partiu, foi e chegou...” O espírito de sua carta é o de uma pessoa que gosta de viajar por seus próprios labirintos em busca de lugares psicológicos de “perdas de estabilidades”. Para tais pessoas, com tal interesse, parece que as soluções da vida advêm todas do discernimento psicológico acerca das estruturas psíquicas que se desenvolveram a partir dos acidentes da vida ou das relações parentais, ou de outra natureza, que tenham sido traumáticas ou mal resolvidas. E o estranho é que, nesse caso, a busca da cura se torna a própria doença! Jesus encontrou um homem que de doença já tinha mais tempo do que você de existência. E parecia que tudo o que o homem que estava há 38 anos à beira do Tanque de Betesda desejava era ser curado. Afinal, ele comia e bebia as lástimas de seu estado físico: paralisia. No entanto, ao perguntar ao homem se desejava ser curado, Jesus estabeleceu um diagnóstico de natureza psicológica, mas sem psicologismos inoperantes. Prova disto é que uma vez tendo curado o homem (João 5), recomendou a ele que não pecasse mais com a “qualidade” de seus pecados anteriores, para que não “lhe sobreviesse coisa pior”. Provavelmente a enfermidade do homem fosse fruto de sua doença de culpa! Daí a obviedade de perguntar a quem espera uma cura por 38 anos, se a pessoa realmente queria ser curada. Isto porque a gente tem o poder de ficar viciado na doença, tornando-nos doentes crônicos, sempre buscando uma cura que se nos chegar, a gente não sabe nem o que fazer da vida depois. Assim, a junção do “queres ser curado?” com a advertência “cuida-te para que não aconteça nada pior”..., serem complementares e explicativas da condição do homem: doente de sua doença, esperando uma cura anual, fruto de um milagre casual, e, quem sabe, dizendo a si mesmo que estava ali em razão dele mesmo e de seus pecados. Assim, desejando uma cura que ele não queria. Até que quis. Nesse caso, a alma fica presa entre a necessidade da cura e o medo de ser curado. Mas como a mente não agüenta dizer a si mesma que “consente” com a enfermidade, então, a pessoa fica falando de cura, mas, assim mesmo, permanece 38 anos à margem da miragem ou do mito da cura, e nada faz. Portanto, devo dizer que há muitas pessoas que falam de cura o dia todo até como argumento de auto-engano, isto para não admitirem que não têm a energia real para “tomar o leito e andar”. Por isto, Jesus pergunta: “Tu queres ser curado?” Jesus cura quem deseja ser curado, mas só pode ajudar quem não deseja ser curado se ressuscitar a pessoa dentre os mortos. Mortos não precisam querer. Mas vivos têm de querer... Do contrário, não há cura! Na realidade, quando você disse que em razão de uma chatice com um cliente e um funcionário você fechou a empresa e foi trabalhar ganhando o dízimo do salário anterior, você também revelou essa estranha disposição de escolher o sofrimento errado para ter na vida. Ou seja: há um autoboicote em muito do que você faz. A vida não é para ser vivida assim quando a gente tem saúde, quanto mais sem saúde. Simplesmente não é possível fechar o que é bom apenas porque alguém não gostou, e, em razão disso, escolher o pior, pondo a vida sob condições desnecessárias de mais fragilidade ainda. Além disso, uma cura para uma pessoa como você não tem que significar a supressão de toda dor ou limitação física. O que temos? Uma órfã, que entrou em depressão quando o pai adotivo morreu, que sofre dores há muito tempo, existindo sob cuidados médicos, mas que apesar disso tem grande criatividade e potencial produtivo. Porém, por uma implicância com a existência, sempre escolhe o que é contra você. Além de todos os cuidados médicos, você precisa saber que seu grande problema é o ódio que você sente de sua orfandade, o qual tem sido um elemento de autovingança de você contra você mesma. Dor é algo que todos sentimos. Ou você pensa que escrevo hoje a sua carta sem dor? Não! Sinto dores. Desde essa tendinite chata que me impede de escrever como gostaria, até os problemas inúmeros da vida, as seqüelas do passado, as cobranças, as expectativas, as frustrações, e o cansaço de muitas e muitas coisas... sem falar que de vez em quando vem aquele bafo de lembranças vivas, as quais, de súbito, me enganam e me dizem: “Conta isto ao Lukas que ele vai gostar de saber!” Meu pai caminhou a vida inteira sentindo dor. E minha mulher leu sua carta e disse: “Se ela tivesse vivido o que eu vivi, ela já teria morrido!” Isto porque ela, oriunda de uma família estável, boa e culta; de súbito, os pais se separaram, a mãe saiu do país, e o pai ficou “proibido” pela outra mulher de ser quem ele era para os filhos; os quais, da noite para o dia, estavam em internatos ou pensões. E, para piorar, ela, que tinha apenas 15 anos, foi assaltada e violentada por um policial de quase quarenta anos. Refazendo-se do trauma, conheceu alguém, aos 16 anos, e quis casar... sair daquele pesadelo. O rapaz estava vindo ficar noivo dela quando o avião caiu. Então, passado o luto juvenil, tentou ter uma família — que era tudo o que ela sentia falta —, então, casou com alguém dês-compensado, o qual a submeteu a 18 anos de tortura. Ela se separou. Cuidou dos filhos sozinha. E, quando tudo estava melhorando, lá vai ela para o hospital, sem dinheiro, e constata que tem que fazer uma operação, mas, pela falta de recursos, teve que esperar meses numa cama, sem se mexer de tanta dor... E isto para que os filhos não parassem de estudar. E assim vai a saga de dores e sacrifícios... sempre perdendo... sempre tendo que aprender a viver com menos ou quase nada... porém sempre cheia de vida, alegria, bom humor e esperança. Ela quer viver curada, com dor ou sem dor, pois, não é o que dói que é a doença, mas nossa resposta à dor é a nossa doença! Desse modo, digo: todos os bons médicos a ajudarão; porém, somente uma atitude mental não “órfã” é que poderá ajudar você a “levantar, tomar seu leito, e andar”. Com dor ou sem dor, vá à luta. Se você é boa no que fazia, volte a fazer. Se escrever é sua paixão, volte a escrever. Porém, sobretudo, não espere a vida vir acordar você com cócegas e com um “Bom Dia”. De 98 até o início deste ano, com tudo o que aconteceu, e, ainda mais com a partida de meu filho, saiba: quase tudo o que fiz foi apesar de tudo... Não fora o amor de minha mulher e de meus filhos, talvez eu não tivesse tido animo de me levantar e andar. Se você ficar aí, à beira do Tanque de Betesda, sua dor apenas aumentará, e sua disposição para se levantar será cada vez mais difícil. Portanto, não perca mais tempo, e nem espere a cura. Deixe a cura correr atrás de você. E mais: quando você mudar seu estado mental, e parar de se vitimar e de orfanificar na existência, esperando um anjo “mover as águas”, e arrancar você desse estado, você verá que a dor e a limitação físicas só limitam os que se autolimitam. Mais do que tudo hoje você precisa trabalhar, voltar a produzir, se ocupar, e parar de se lastimar. Sei que você esperava mais de mim. No entanto, leia Isaías 58 e veja que a “cura brota sem impedimento” quando a gente olha para os outros, ao invés de ficarmos apenas apreciando a nossa própria dor. A terapia ocupacional do amor solidário é o que cura almas amarguradas pela vida! Pense no que lhe disse e me escreva! Um beijão amigo! Nele, que era homem de dores e que soube o que é padecer, mas que já levou sobre si as dores de nossa desesperança de viver, Caio
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