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Cartas

De um amado encurralado pela Graça

De um amado encurralado pela Graça

-----Original Message----- From: Gilmário Sent: terça-feira, 21 de outubro de 2003 02:51 To: contato@caiofabio.com Subject: É engraçado, mas acho que apenas desejo conversar um pouco com você Mensagem: Caro Caio, É engraçado, mas acho que apenas desejo conversar um pouco com você. Li muitos dos seus livros, ouvi e vi diversas das suas mensagens. Sempre achei que uma hora teria a oportunidade de trocar algumas palavras consigo. Sou professor de filosofia e literatura. Fui ateu durante algum tempo, mas converti-me aos 24 anos. Acredite: numa igreja neopentecostal!! Passados alguns anos, mudei-me para uma igreja presbiteriana. É possível entender uma pessoa dessa? Bom, a minha conversão ocorreu no meio do curso de filosofia, um pouco na contramão do que nele ocorria. Afinal, parte considerável dos alunos terminava o curso com sua fé (caso tivessem) consideravelmente abalada. Desnecessário descrever a minha comoção ao saber que para além do meramente lógico e existencial, ou até mesmo dialético, havia um Deus cujo amor era suficientemente arrebatador para que se pudesse resisti-lo. A partir de então, iniciei todo um trabalho solitário e autodidata visando preparar-me para o ensino do Evangelho. Isso se tornou minha paixão. Tudo que lia, desde Nietzsche a Guimarães Rosa, Agostinho e Lutero, e Caio Fábio, fazia-o na expectativa de que me auxiliaria a gerar frutos para o Reino. Mas chegou o tempo da dor. Senti-me arrasado pelo tom empresarial assumido pelas igrejas. Pela falta de graça e perdão. Por uma pseudo-teologia calvinista aspergidas por clichês insuportáveis e frases extraídas de manuais de auto-ajuda: o famigerado "você é especial prá mim" repetido ad nauseam para uma multidão... Vou tentar abreviar, pois a essa altura já devo estar gerando bocechos homéricos. Vivi na minha pele duas frases que muito admirava em dois grandes filósofos. O primeiro, Nietzsche: "Não que você me tenha mentido, mas que eu não possa mais acreditar em você, isso me abalou profundamente." Senti-me assim com respeito à igreja. A segunda frase era de Theodor Adorno: "Para que não pátria, a escrita é uma pátria". Eu acrescentaria: para quem não tem igreja também. E pus-me a escrever, escrever, escrever. O conflito chegou ao paroxismo. Temi perder a fé. Creio está saindo da crise. Sou um convalescente. Estou me esforçando para que as feridas não me tornem amargo. Espero que o amor vença. Bom, termino por aqui. É um prazer falar com você. Encontrei muita convergência entre o que pensava, e as suas mensagens. Elas me foram, e ainda são, provocação para pensar, estímulo para seguir o Santo. Acima de tudo, coragem para investir-se na autenticidade. Como foi crucial ouvir essas coisas quando em converti. Dez anos se passaram. Nos próximos dias estarei completando 34 anos. Saiba que de um desconhecido de Brasília, durante esses difíceis anos que você viveu, partiram orações silenciosas, desejo de compreensão, torcida para que você pudesse sobreviver a todo o bombardeio da nossa sociedade de espetáculo evangélico. Como me entristeci ao ver você tratado como mercadoria. Alegra-me saber que isso foi superado. Acho que você pode dizer como o poeta Rimbaud: "Tout cela c´est passée. Je sais aujourd´hui saluer la beauté." (Tudo isso passou. Eu sei agora saudar a beleza). Que o Senhor te abençoe, Ele que o escolheu, e o amou desde toda eternidade. Fique tranqüilo, se eu voltar a escrever-lhe, serei menos prolixo. Um abraço, Gilmário *************************************************** Amado Gilmário: Me mate com suas abençoadas e refrescantes Cartas! Estava com fome. Peguei uma fruta. Comecei a comer. São mais de três da manhã. Decidi baixar e-mails. Eis você! Sim! Pelo amor de Deus me mate de cochilar! Quem dera todos os "cochilos" que dou fossem embalados por textos como o seu! Você? Perder a fé? Como? Sim! me diga como você conseguiria tal proeza? Esta é a única má notícia que tenho a lhe dar: você é escravo desse Amor! Pobre eternamente você, pois, seu é o reino dos céus! Quer dizer: Bem-aventurado... Sua decepção já deu lugar à certeza simples, dês-explicada! No mais, prossiga... Ame-o, pois não é possível deixá-Lo! Obrigado pelas orações que foram e estão sendo respondidas! Seu irmão, Caio
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