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Cartas

CAIO, VOCÊ ESTÁ CERTO...- sobre a teologia moral...

CAIO, VOCÊ ESTÁ CERTO...- sobre a teologia moral...

----- Original Message ----- From: CAIO, VOCÊ ESTÁ CERTO... To: Caio Fábio Sent: Monday, January 09, 2006 12:24 AM Subject: CAIO, VOCÊ ESTÁ CERTO... Caio, você está certo... A expressão Teologia Sistemática sempre me incomodou demais. O desconforto aprofundou-se quando conheci o Calvinismo. Porque depois de ser convencido pela irrefutável lógica de sua argumentação vi-me diante de duas realidades desagradáveis: a primeira, Deus estava domesticado e enquadrado; a segunda, as conclusões lógicas das quais fui convencido agrediam de maneira aguda o meu bom senso. Quando você acusou o nosso engano protestante de manter os padrões de pensamento da filosofia grega, eu me senti amparado na grande reserva que tenho em relação ao Calvinismo. E, mais uma vez, ao longo de tantos anos, cumpriu-se a definição de líder que você me deu há uns quase vinte anos atrás: é aquele que verbaliza o que muitos estão pensando de maneira ainda desconexa. Aliás, você tem lido Ultimato? Se você estiver conseguindo fazer uma leitura desapaixonada e impessoalizada dos textos de vários articulistas, vai verificar que eles estão indo pela sua senda. Por mais que eles mesmos não aceitem tal afirmação, não tenho dúvidas quanto a isso. Vejamos algumas das coisas que eles têm escrito: B disse: "É claro que a fé tem conteúdo e deve se expressar em conhecimento, mas tenho aprendido que Deus não se deixa enquadrar nem sistematizar; tenho aprendido que Deus rompe com os meus esforços cognitivos e bagunça com eles. Deus anda por lugares que eu acho estranhos, faz o que eu reluto em fazer, relaciona-se com pessoas das quais mantenho distância (...)" V disse: "Precisamos urgente de uma reforma conceitual no nosso evangelho. A essência do evangelho não é uma série de regras, definições religiosas, hábitos e atitudes. A essência do evangelho é o amor. O amor é graça, concessões, tolerância, o oposto da religião de regras e preconceitos que inventamos para nós (...)" Estou chegando do Peru. Como te falei, visitei Lima, Cusco e Macchu Picchu. Viajei no dia seguinte ao lançamento do seu livro, e o levei na bagagem. Li um pouco, como já deu para notar acima. Conhecendo a civilização Inca, sua cultura e religião, compreendi um pouco melhor a Teologia Moral da Causa e Efeito. Tento explicar. Segundo o livro Vida e Teologia Andinas, a espiritualidade aymara e quechua - dois povos andinos, de origem Inca - é essencialmente moral de causa e efeito. Por exemplo, se um raio cai no território de uma determinada comunidade, eles se reúnem para a prática de ritos de perdão entre eles e para com as divindades. Comentando sobre isso, eu gostaria muito de conversar sobre a colonização com cruz e espada, religião Inca, Teologia da Libertação, etc. Mas isso terá que ficar para outra hora, pois o centro da questão é outro: a Boa Nova, caso realmente tivesse sido pregada a eles, faria com que compreendessem que não há relação de causa e efeito entre os pecados que cometem e o raio que lhes alcança. Vi ali, com muita clareza, que a Boa Nova deveria ser o fim de todos os sistemas religiosos. É chegado Aquele que acaba com as oferendas, por ser Ele “A” oferenda; e que acaba com os sacrifícios, por ser Ele O sacrifício. Chegou Aquele que acaba com a religião, por ser ele A religião. Fim. Acabou. Acabaram-se as regras e os rituais. Creio que é esse o Caminho da Graça. No forte de Ollantaytambo eu comentava com Gilmar, nosso guia: - E o mito do Inkarri? - Os cristãos tentaram dizer que seria Jesus Cristo, para legitimar o cristianismo. - Eu acho que é uma idéia bastante adequada, o messias que vem para cumprir as exigências da religião, e dar fim a ela. - Não. O cristianismo está chegando ao fim, só não vê quem não quer. Tomara que Gilmar estivesse certo. A Boa Nova deveria ser o fim de todas as religiões, inclusive do cristianismo, que é um sistema que não difere muito dos demais, infelizmente. Todos enjaulados na Teologia Moral da Causa e Efeito. No alto de Macchu Picchu, eu e minha família, de mãos dadas, oramos a Wiraqocha, Deus dos Incas, Deus Criador, meu Deus chamado por outro conjunto de letras. Choramos ali, intercedendo por aquele povo oprimido por 500 anos de colonização, a quem Cristo foi apresentado com uma espada conquistadora na mão. Oramos para que os campesinos quechuas e aymaras saibam que Inkarri já veio, e que podem viver pela graça. Oramos pelas eleições peruanas agora em 2006, e pelo povo pobre e oprimido daquele País. Feliz ano novo para você, no Caminho da Graça. Abraços, Henrique Ziller _________________________________ Resposta: Meu querido amigo: Graça, Paz e Saudades! Obrigado pela carta tão rica e amiga, além de ter sido inspiradora para a minha alma! Sobre os irmãos que escrevem no Ultimato, e que você sabem já foram próximos de mim, quero que você saiba o seguinte: Não tenho nada contra nenhum deles. Não mais. E com um deles que julguei ser necessário um encontro para olhar nos olhos em verdade e amor a fim de esclarecer certas coisas, o fiz há alguns meses, no ano que passou, e, nosso encontro foi bom e carinhoso, e guardei no coração a esperança de com ele ter sempre uma boa amizade no Senhor da Vida. Afinal, todos confessamos o mesmo Nome! Sobre os conteúdos que você listou do Ultimato, quero apenas dizer duas coisas, não sobre os articulistas, é claro, nem sobre os artigos, mais apenas acerca de um espírito que ainda precisa ser rasgado e que num dos textos aparece, ensejando-me a oportunidade de falar sobre o que desejo de um modo não-pessoal, mas apenas conceitual: 1. A frase “o nosso evangelho” é ainda coisa de quem pensa e sente de modo religioso. “Nosso” é posse. Foi esse “nosso” o que nos desgraçou. O Evangelho não é “nosso”, é de Deus. O Evangelho, todavia, não é para Deus, mas para nós. “Nosso” é o benefício, não o conteúdo. O conteúdo não tem que ser revisto, repensado, reatualizado, ou qualquer bobagem dessas. O conteúdo é eterno e só tem que ser PRATICADO. Não deve ser objeto de reflexão, mas de ação. Não deve promover um evento para discutir o tema, mas sim gerar vidas dispostas a vivê-lo sem medo e sem pudores. 2. Sinto falta de mais decisão em relação a simplificar as coisas, começando das práticas mais simples. Por exemplo: Jesus disse que tratar com carinho os outros que nos tratam bem ou são ‘iguais”, é algo que até os pagãos fazem. O problema é que o discurso da maioria que aparentemente já ‘entendeu’ as coisas, inverte esse principio, pois, são capazes de tratar bem os pagãos, só não são capazes de serem misericordiosos com os irmãos. Ora, o chamado é para nenhuma seletividade, e é para tratar bem e com amor misericordioso a todos os homens da terra; tratando a todos com a mesma graça, não importando quem seja a pessoa. Do contrário, a gente apenas se torna politicamente correto, e nada além disso, tudo em nome de Jesus; livres do legalismo primitivo e entregues ao espírito judicioso da nova moralidade humanista, que é o famoso “politicamente correto”. E a fé em Jesus e em Sua graça não é correta. Ao contrário, ela é incorreta, escandalosa, inexplicável, esbanjadora, frustradora de todas as falsas certezas da gente. Na hora que pararem de ‘pensar os conteúdos’ ou apenas descrevê-los como objeto de ‘nova reflexão’, e passarem a vê-lo como eterno e imutável, como simples e prático, então, nesse dia, algo novo estará acontecendo mesmo. Sobre seguirem ‘minha senda’, tanto não quero que assim seja — visto que eu mesmo não tenho uma ‘senda própria’, mas apenas a do Evangelho, o qual eu mesmo tento seguir —, como também creio que alguns jamais admitiriam que ‘tal mudança súbita’, em alguns casos, tenha qualquer coisa a ver com o que digo e afirmo sem medo e sem meias palavras. Mas, para mim, na presença de Deus, o que quero é que “todo o povo de Deus seja profeta”, e que todos compreendam o Evangelho e o vivam em Paz, dando todo crédito a quem tem o Crédito: Aquele que a nós se revelou como Emanuel, e ao Seu Espírito, que é luz sobre nós e sobre todos os homens, visto que Jesus é a verdadeira luz que vinda ao mundo ilumina a todo homem. Sobre seus comentários acerca de sua viagem ao Peru, quero dizer o seguinte: A Teologia Moral de Causa e Efeito está presente em tudo, do mais profundo e longínquo paganismo até às catedrais do cristianismo. Assim, o homem e sua moral jactante se tornaram a causa de Deus ser bom. Que blasfêmia! Sim, muitas vezes ficamos esquecidos de que Ele faz vir chuvas sobre justos e injustos, pois Ele é Pai de todos, misericordioso para com todos, age por meio de todos e está em todos; queiram os cristãos ou não! Fico cada dia mais feliz em ver que você mantém a fé e cresce nela sem pedir licença a ninguém. Sim, tem que ser apenas assim: você e a Palavra! Se a Palavra nos é comum, e se todos olharmos para ela, e, nela, somente para a partir de Jesus, e não para suas sistematizações humanas, não haverá como a individualidade da leitura da Palavra vir a nos separar. Nos separamos tanto justamente por não lê-la por nós mesmos, e tendo a Jesus como a única ‘chave hermenêutica’, mas sempre com os filtros de nossos legados histórico-religiosos, e com as lentes de nossas tolas e gregas teologias. Amigo amado, obrigado pelo conforto que trouxe à minha alma! Um beijão em você e na família todinha! Nele, Que É! — e quem explicará? Caio
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