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Cartas

CAIO, NÃO AGÜENTO MAIS TANTA CONFUSÃO...

CAIO, NÃO AGÜENTO MAIS TANTA CONFUSÃO...

-----Original Message----- From: CAIO, NÃO AGÜENTO MAIS TANTA CONFUSÃO... Sent: segunda-feira, 31 de maio de 2004 03:18 To: contato Subject: Preciso da Graça Olá Pastor Caio. Eu sou aquele que queria participar de suas conversas com Abelardo. Sempre me apresento assim, pois talvez ainda se lembre de mim. Hoje estava em um dia muito reflexivo. Resolvi escrever. Li hoje algumas páginas novamente do Enigma da Graça. Tocou-me de novo. Realmente preciso dessa graça. Costumo ler muito. E ouvir muitas mensagens. E estudando teologia percebi que muito do que se prega e escreve são meras repetições. Idéias que alguém já pensou, disse ou escreveu. Sem desmerecer a nenhum deles. Muitas idéias são repetidas, mas de forma diferente. Abençoam. Mas o senhor demonstra, principalmente em Enigma da Graça, que é um produtor de teologia. Teologia no sentido de pensar sobre Deus e Seu Reino de forma diferente, nova, questionando, adaptando, mas nunca mudando a essência de Deus. Assim, o senhor é um dos poucos hoje em dia que produz Teologia. Propõe algo novo. Vinho novo. E isso não vem de hoje, pois já tinha percebido isso desde Síndrome de Lúcifer. Mas a profundidade de Enigma é sem igual. Então pensei, porque o Pastor Caio não escreve um comentário bíblico completo. Com certeza já possui muito material. E dada sua unção, mente, experiência, o que não viria? É claro, sem pressa. Como um projeto esta fase da vida. Um profundo e grande comentário, talvez do tamanho do Champlin. Daqueles que ficam para a posteridade, que seria no futuro estudado por todos aqueles que se enveredassem no mundo da teologia. Desculpa Pastor. Talvez tenha viajado demais. E exagerado na intromissão. É claro que Deus já está direcionando seus projetos. Mas que seria bom seria. Gostaria de abrir meu coração. Sou natural do Rio de Janeiro e estou noutro estado faz quatro anos e meio. Como militar fui designado para esta região, e aqui comecei o seminário e as minhas experiências com o ministério. No primeiro ano, recém chegado, comecei a freqüentar uma grande igreja, que servia de referencial na cidade e que possuía um erudito pastor. Uma igreja que aos poucos foi se mostrando fria e tradicionalista. E que na qual não encontrei aconchego espiritual e muito menos espaço para trabalhar. Era o início dos estudos no seminário com a vontade de aprender e servir a Deus na igreja, mas não foi possível. Então chamei um grupo de pessoas (04) cristãs que como eu eram recém chegadas aqui e começamos a criar um grupo de estudos bíblicos e oração que se reunia uma vez pôr semana. Começamos a fazer um bom trabalho de integração e de evangelismo que cresceu e deu muitos frutos. Eu era o líder responsável pelas mensagens, aconselhamentos e organização do grupo. O grupo cresceu e chegou a ter cerca de 25 pessoas fixas, muitas delas convertidas em nosso trabalho. E assim foi por um ano. Quando percebi, eu tinha começado uma igreja, pois muitas delas não tinham igreja. Chamavam-me de pastor, e colocavam suas vidas em meus conselhos, e isso não era bom. Então busquei levá-las à igreja que eu freqüentava, mas não se sentiram bem recebidas. Então, junto com um grande amigo, os encaminhei a outra igreja, onde a maioria deles se encontra até hoje. E acabei com o grupo, pois não era o meu propósito deixá-los sem igreja. Durante este tempo aprendi muitas coisas, principalmente sobre lidar com as pessoas, sobre aconselhamento e liderança. E apesar dos frutos, tive alguns problemas com pessoas que passaram a buscar em mim as respostas para as decisões de suas vidas. Percebi que devemos guiar, ensinar, mas nunca decidir pelas pessoas, pois estaremos retirando a liberdade que Deus deu ao ser humano. No segundo ano fui convidado por um pastor de uma grande igreja para trabalhar com jovens. Comecei a dar aulas de EBD para classes de jovens e me tornei um dos líderes dos jovens da igreja. Pregava em algumas oportunidades aos sábados e aprendia a vivenciar uma avivada igreja, pois não estava acostumado. Percebi a alegria que tantas vezes faltou em igrejas que conheci anteriormente. Mas o pastor da igreja começou a estudar um método para a igreja e decidiu que A Igreja Celular no Modelo dos Doze (G12) era o método que precisava. Decidi experimentar e conhecer o que para mim era novo, e mergulhei de cabeça na novidade. Então as mudanças começaram a acontecer. E os problemas vieram, desconfianças, brigas, euforias e preconceitos. Aprendi conceitos, liturgias, formas de pensar, experiências, pessoas, tantas coisas novas que me fizeram firmar muitas das minhas antigas convicções, e reconhecer que não somos donos da verdade absoluta. Mas infelizmente a igreja se dividiu, não por causa do novo método, mas porque o grande problema dos pastores hoje é a falta de caráter. Um terço saiu com o pastor. E a igreja seguiu os passos da visão com outro pastor que a amava. Foi durante esse tempo que começaram as decepções. Na convivência com pastores, e na tentativa de entender o ministério de cada um e o melhor caminho para a igreja dentro de tanta polêmica, descobri a quantidade de coisas que estão erradas, e a quantidade de pastores que matariam por suas convicções. Decidi procurar outro lugar. No terceiro ano, fui convidado por outro pastor e outra igreja para ajudar no trabalho com jovens. Passei a dar aulas de EBD para jovens e me tornei líder dos jovens. Era responsável pelas programações de sábado, e pregava toda semana. Criei um grupo de teatro e apresentamos algumas peças. E novamente surgiu a idéia de implantar um novo método, e o escolhido foi o G12. Eu não concordo com o G12, mas nós perdemos muitos conceitos que eles redescobriram como discipulado, células (grupos familiares), consolidação, etc. Eu já tinha alguma vivência e a idéia era adaptar à nossa realidade. E a história se repetiu. Mas de forma muito pior. Mentiras, facções, manipulação, planejamento de estratégias de guerra, agressões físicas, etc. E a igreja rachou no meio. Quem estava certo? Ninguém. Percebi que nada nunca pode ser maior que o amor. Nada justifica a batalha pessoal travada por "donos da verdade". E o amor se esfriou, e no final todos se acharam vitoriosos, até perceberem que todos perderam e muito. E eu, que não vivo nos extremos fui tido por alguns como equilibrado, e por outros como omisso. Sabe o que é ver amigos de infância desejarem se matar? No meu coração decidi não ficar com nenhum grupo, mas novamente sair. Tentar de novo. Mas a igreja que ficou sem pastor precisava de ajuda, e eu fiquei. A maioria dos que lideravam havia saído para formar outra igreja. Mais por necessidade do que por convicção, fiquei. Passei a pregar para um grupo de pessoas desanimadas, que aos poucos foi retomando as esperanças. Não é fácil sentir a dor dos outros, pregar sabendo o que as pessoas estão sentindo, dar esperança quando não se tem certeza se é ali que deveria estar. Mas é o amor que restaura vidas, e que nos faz acreditar que mesmo com a incerteza do futuro, estamos nas mãos de Deus. Nove meses se passaram. Mas as coisas pioraram no quarto ano. O pastor que veio interinamente pouco aparecia. Os jovens começaram a brincar que eu seria o pastor da igreja. Nunca havia pensado nisso e nem queria. Mas um antigo membro decidiu que eu não poderia ser o pastor da igreja, pois tinha outro em mente. E começou a fomentar idéias com a liderança. Sei que precisei viajar à serviço, e quando voltei haviam me “boicotado”. Tiraram-me de todas as escalas, das aulas, fecharam o teatro. Fizemos uma reunião, onde descobri que não poderia mais ajudar. Disseram que eu havia viajado, e que não podia assumir responsabilidades. Nas entrelinhas chamaram-me de moleque. Percebi o que queriam. Já havia um pastor candidato que eles queriam. Decidi sair, e fui explicar o porquê ao pastor interino. E antes de abrir a boca fui humilhado, ameaçado, ofendido, por um homem que nem me conhecia. Pintaram um quadro negro sobre mim. Gastei duas horas explicando a minha versão. No final ele disse, “eu deveria ter escutado primeiro”. Mas o problema já estava criado, e espalhado. Onde eu fosse, ouvia rumores sobre um formando que criara problemas. Decepção, humilhação, marcado pela inverdade. Estigmatizado. E agora? Não quero ser pastor. Nunca fechei as portas para Deus. Mas não vale a pena ser pastor. É muito mais difícil do que se pensa, quando se vive o peso de cuidar de pessoas tão humanas quanto nós. Ainda não encontrei uma igreja. Estou visitando uma outra igreja. Mas passei tanta coisa, me dediquei tanto ao ponto de não ter tempo para minha esposa. Pra quê? Cansei. Estou há alguns meses sem fazer nada para Deus. Ajudo na União Evangélica do trabalho e só. É como se descobrisse que estava no caminho errado e gostasse de não me preocupar mais. Meu coração sente vontade de voltar a estudar Física. Viver recluso em uma vida longe de viver humano e seus problemas. Estou profundamente amargurado. Triste. Entro na igreja torcendo para que ninguém perceba que sou formado em teologia, e venham pedir que comece a trabalhar. Não quero compromissos. Quero voltar pra casa e começar vida nova. Deixar tudo isso para trás. Sinto que minha vida precisa de sentido. Antes eu vivia por convicção. Não era a vida que me levava, mas eu acreditava e vivia. Agora eu deixo a vida me empurrar. Estou fazendo planos de voltar a meu antigo sonho de ser pesquisador. Sonho que tinha antes da conversão. Será que não foi a igreja que colocou em minha cabeça a convicção que só serve melhor quem faz teologia? E porque Deus permitiu tudo isso? Já pensou, eu voltar para casa e voltar a fazer Física Não seria regredir no tempo? Cinco anos jogados fora? Minha esposa já não agüenta mais esse novo “marido”. Frio, despreocupado, sem paixão pelo que faz. Eu mesmo não me agüento mais. Em alguns momentos sou profundamente tocado em mensagens ou louvores. Em outros não agüento mais nada disso e quero jogar tudo para o alto. Nada perdura. Nenhuma certeza. Só insegurança, dúvidas. E a única esperança de voltar para casa no ano que vem e começar tudo de novo. Só não sei o que será esse novo. Preciso ler Enigma de novo. Muitíssimo obrigado por ler até o fim. É um desabafo. Não sei se consegui passar toda a realidade. E sei que fui extenso. Perdoe-me. Sei que o amo e o tenho como meu pastor. E como preciso de um. Talvez o senhor entenda. Não posso comparar o que passou com o que passei. Obrigado pela oportunidade. Se puder dizer algo, agradeceria. Se não puder, obrigado por “ouvir”. Afinal, quem me entenderia? Sei que Deus que me entende não me explicou o porque de tudo isso. Um dia quem sabe? Um grande abraço, ____________________________________________________________ Resposta: Meu amado amigo: Perseverança em Cristo! Primeiro as primeiras coisas. Assim, quanto ao Comentário Bíblico, gostaria de dizer que este é um dos meus sonhos. Já tive a chance de fazer isto antes várias vezes, mas sempre parei achando que ainda não era a hora. De três anos para cá tenho pensado muito nisto, mas sei que só poderei começar dentro de mais uns dois anos, se Deus permitir. Ore por isto. Quanto ao mais, meu amado, é um “mais” que é “menos”. Todavia, é um menos que é mais, pois faz muito mal a alma. Ou seja: nossa fé não está em “igrejas” nem em “homens”, mas é com eles que se vive, e é da “igreja” e nela onde se espera encontrar não perfeição—só bobos sonham com isto—, mas respeito, misericórdia, e um mínimo de dignidade. Conheço o poder destrutivo desse desromanciamento com a “igreja”, e sei que faz muito mal ao coração, deixando a pessoa, na melhor das hipóteses, assim como você está. Em mim esse amargor demorou uns cinco anos para se dissolver. Mas dissolveu-se... Hoje eu trato a “igreja” como Paulo disse que se deve tratar os “fracos e débeis na consciência”, conforme Romanos 14. E trato os “líderes” com o cuidado com o qual Jesus tratava os fariseus. Meu lugar de pouso na comunhão é com os irmãos. Quem chega como irmão-apenas ganha meu carinho na hora. Mas se chegar como representante de qualquer coisa, então, sou simples como as pombas e prudente como as serpentes. É claro que não há nada novo no G12, exceto as esquisitices e a gestão obsessiva com vistas ao crescimento numérico. Além disso, discipulado é uma coisa—é e belo, simples, pessoal, amigo, fraterno e não militarizado em seu sistema—, e em nada se parece com o sistema G12. Sei que o melhor que poderia acontecer aos cristãos seria o surgimento natural de milhares e milhares de células, grupos de comunhão e convívio, onde a Palavra seja entendida, e as orações sejam compartilhadas em amizade e harmonia. E isto pode acontecer sem “tutelas tirânicas” e sem esse “messianismo adoecido” da maioria dos grupos chamados G12. Paulo, por exemplo, jamais ensinaria um G12. Escrevendo a Timóteo ele diz que aquilo que se aprendeu, deve-se transmitir a pessoas idôneas, e também capazes de instruir a outras. Mas isso não é um programa e nem uma estratégia de crescimento estatístico, mas um modo de viver responsavelmente a fé, com maturidade e compromisso de “aprofundar” a consciência do discipulado e do evangelho no coração dos irmãos. Hoje,todavia, isso não é assim. O G12 carrega em si a fixação do poder, do controle, e do crescimento numérico, o que em si já carrega a semente das vaidades, disputas, buscas de supremacias, e impõe controle, numa estrutura militarizada e piramidal. Portanto, a história que você me contou é a mesma que centenas me contam todas as semanas, e os resultados são semelhantes em quase todos os lugares. O G12 ganhou essa importância toda tanto pela ignorância dos líderes, como também pela mentalidade de rebanho passivo dos liderados. E como, em geral, quase todas as lideranças carismáticas estão contaminadas pelo espírito da “autoridade e do poder”—onde o maior não é o menor, mas é o MAIOR mesmo—o resultado não poderia ser outro: uma explosão de crescimento numérico, marcado por muita disputa interna, muitas divisões, e para muitos—digo: para os “trabalhadores”—, acaba se tornando cansativo e opressivo; sem falar que cria-se a mentalidade de soldadinho de chumbo, fazendo com que a consciência pessoal dê lugar à clonagem. Quanto a você e sua vocação pessoal, sinceramente, não vejo em que qualquer coisa tenha que mudar apenas porque você teve as experiências que você teve—se fosse assim, eu nunca mais na vida gostaria de ter nada a ver com o que está aí, pois não me faltam milhares de razões para estar cansado disto para sempre. De fato, você pode ser quem você é e servir a Deus com os dons que Ele lhe deu, e pode se interessar em saber mais do ponto de vista “teológico”, e isto em nada se incompatibiliza com a possibilidade de você voltar a estudar Física, o que lhe seria hoje muito útil até mesmo para melhor compreender “teologia”. No entanto, separe sua decepção com a “igreja” de qualquer coisa que diga respeito ao Evangelho. Você é discípulo do Evangelho, não da “igreja”. Portanto, faça como todos aqueles que nos precederam, e que viveram em lugares e tempos onde não havia “igreja”; sendo que eles mesmo eram a Igreja onde iam, e carregavam a mensagem sem esperar ajudas formais ou instituídas. Esses irmãos de antes precisam ser imitados hoje. E o único modo disto acontecer é se quem crê no Evangelho puder esquecer que existe “igreja” e, onde quer que cheguem, reúnam discípulos e lhes ensinem a Palavra. O G12 só virou esta moda porque não há mais Palavra sendo ensina faz tempo. Aliás, poucas vezes, a “igreja” tem sido porta voz da Palavra, pois quase sempre ela prega a si mesma como lugar de poder e salvação, e não a Palavra, como poder que liberta a pessoa para a vida, não para fazê-la cativa de um ditador. Anime-se, meu amado! Pela sua história é fácil ver que sua melhor experiência na vida comunitária aconteceu quando você estava apenas com seu pequeno grupo, onde as pessoas se queriam bem, ainda que fossem cheias de problemas. Pense no que lhe disse e depois me escreva. Receba meu carinho, e também um forte abraço do “Abellardo”. Nele, em quem Igreja são os irmãos que vão conosco no Caminho, Caio
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