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Cartas

AMIGO É COISA PRA SE GUARDAR NO PEITO

AMIGO É COISA PRA SE GUARDAR NO PEITO

 

 

 

 

----- Original Message -----

From: AMIGO È COISA PRA SE GUARDAR NO PEITO

To: CAIO

Sent: Tuesday, March 04, 2008 7:49 AM

Subject: Amigo de Portugal - Caio Fábio

 

Querido Caio!

Que surpresa boa ter notícias tuas. Em Janeiro irei certamente tentar me encontrar contigo.

Espero que toda a tua família se encontre bem, em paz e saúde.

Infelizmente da minha família não tenho boas notícias. A minha avó e a minha tia faleceram. A avó em 2006, fruto de uma queda que deu... Ficou com as faculdades mentais completamente alteradas, com grandes lapsos de memória recente, ficando até incapacitada de reconhecer família próxima. Este processo degenerativo ocorreu entre 2005 e 2006, até à sua morte. Ainda em 2005 a minha tia é diagnosticada com câncer de pulmão. O pulmão afectado foi retirado, mas mais tarde encontraram metástases no cérebro. Foi removido o tumor, e seguiu-se um longo período de quimioterapia e radioterapia. Quando se pensava que estava tudo bem, tudo voltou. O câncer disseminou pelos ossos, fígado e todos os órgãos. Foi um período horrível, mas ela nunca perdeu aquele sorriso e deliciosa infantilidade que tanto a caracterizava. E até ao fim acreditou que ainda poderia ter cura. Sofreu e não escapou. E deixou uma filha hoje com 16 anos... Sinto muita falta dela, era uma tia especial que sentia amor genuíno por mim e pela minha família. Nunca cobrava nada pelos meus longos períodos de ausência na vida dela, e era uma pessoa cheia de amor para dar. Penso muito nela. E penso que merecia ter sido mais feliz.

Entretanto ando eu sempre em busca da felicidade. Tenho uma mulher maravilhosa, e uma filha agora com seis anos. E outro bebé a caminho, os médicos dizem que será um rapaz. Em 2006 perdemos uma menina, no dia do parto. Chamar-se-ia Francisca. Se não nasceu, é porque não estava destinado. Outro período difícil... Mas agora está tudo bem.

O meu irmão hoje em dia é também publicitário como eu. Copywriter e preguiçoso. Talentoso mas com vontade de não trabalhar muito. Ao contrário de mim, que passo a vida na agência. E em casa tenho a minha mulher a construir uma agência de eventos, casting e design. Uma vida de trabalho non-stop. Opções...

Manda notícias tuas, e da tua família. Vou vendo o site, e dando uma espreitada na palavra maravilhosa que espalhas pelo mundo. Estive para te contactar em 2005, pois estive em S. Paulo a acompanhar a realização de um filme. Mas a minha vida estava um rolo e nem me lembrava das pessoas relevantes que passaram na minha vida...

Saudades da nossa amizade. Os anos 70 foram um período muito feliz da minha infância, da qual fizeste parte com a tua família.


Beijo e abraço


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Resposta:

 

 

Meu querido filho,

 

 

Um dia tivemos um momento que me marcou, em 1977. Você era um menino lindo, de olhos profundos, embora sempre carregados de uma leve melancolia. E era muito meigo o seu coração, como, pela Graça de Deus, continua a ser. Nós estávamos juntos andando pelo jardim da Casa dos Penedos, vendo as flores que ali havia em beleza mágica. Ah! Havia gansos e fontes também! Então começamos a falar sobre o amor de Deus. Eu, um jovem, pai de dois filhinhos, pastor; e você, um menino-homem que me cativara, e que aí com seus oito ou nove anos, olhava para mim com amor que pedia instrução pura. Perguntei a você: “O que você pensa sobre Jesus?” “Penso que Ele ama a toda gente!” — disse você com carinha de anjo; e eu chorei.

 

Aqueles seis meses em Sintra, 1977, foram também tempos encantados para o meu ser, e deles guardo as melhores recordações; aliás, freqüentes recordações.

 

Seu avô, com aquele sorriso gentil e hospitaleiro. Sua avó com aquele amor no servir os pratos portugueses mais deliciosos. Seus pais, que me tratavam com fidalguia incomparável. E que jantares sua mãe também fazia! [Deus sabe como senti a morte deles naquele acidente!] Você e o João eram os anjos do lugar. Então vinha a sua amada tia! Certamente um dos seres humanos mais cheios de amor e bondade que já conheci. Havia bondade genuína em tudo o que fazia.

 

Assim, vocês se tornaram família para mim aí em Portugal. Tanto é que todas as vezes que fui a Portugal, a primeira coisa que sempre fiz foi pegar um táxi para Sintra, rodear o velho Palácio da Vila, até chegar aos fundos, onde encontrava uma porta de casa para mim — a casa de seus avós e sua tia Luiza.

 

Hoje, com a ida de todos eles, você e João estão ainda jovens, porém sem mais a presença desse lado da família, exceto pela prima, a filha da sua tia amada. Façam tudo para envolvê-la no amor de vocês, a fim de que ela não perca a referência da beleza da família que vocês conheceram em plenitude.

 

Quero, entretanto, que você, seu mano, e sua prima, saibam que podem ter em mim alguém muito chegado; e que enquanto estiver neste mundo os reconhecerá como amigos e família; e os respeitará como quem reverencia uma semente sagrada, e que hoje quase já não existe no Planeta.

 

Sobre as dores da sua tia [minha amada amiga], digo a você que de fato ela foi uma mulher de muitas dores. Ela era o tipo de mulher que hoje já anda em extinção. Amava até o fim. E sofreu por amar com fidelidade para consigo mesma. Entretanto, deixou o legado que você reconhece e sente falta. Portanto, foi feliz; pois, feliz é gente que pode passar pela vida com a infantilidade generosa que nela era natural e doce. Saiba: mesmo chorando ela foi feliz, pois, amou; e quem ama jamais é infeliz. Infeliz é quem não ama.

 

Mande meu beijo para a filha dela. Menina linda e que tem os olhos meigos da mãe.

 

Meu filho amado, eu estou aqui. Aqui mesmo. E digo isto a você como diria a um filho, um sobrinho, um ente de meu sangue. E isto é verdade!

 

Um super beijo para todos vocês. Quando estiver para chegar até aí avisarei você.

 

Que o Senhor Jesus, que ama a toda gente, guarde você, sua casa, e seu mano querido.

 

Nele, que cuida de nós,

 

 

Caio

 

04/03/08

Lago Norte

Brasília

DF

 

 

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