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Cartas

A ORAÇÃO COMO OBSESSÃO

A ORAÇÃO COMO OBSESSÃO



Oi Pastor Caio Desde o começo do ano tenho vivido uma série de transformações, coisas esquecidas e doídas foram colocadas pra fora para serem trabalhada uma a uma. Isto porque aprendi com o senhor que nossa consciência, e não nosso exterior precisa se mudado antes de tudo. Uma noite orei ao Senhor, e disse: Basta ! Não quero mais essa vida; e quero isso, isso, e aquilo mais... Desde aquele dia minha vida vem sofrendo um terremoto, e tudo esta mudando. Minha relação com Deus passou a ser mais leve, e mais centrada na graça. É difícil manter uma vida regular de estudo e devocionais, mas passo o dia em oração, e peço sempre ao Senhor que me escute mesmo sem falar. Estou freqüentando a igreja X, que tem sido benção em minha vida. Sinto falta do jeitão de crente que eles não tem, e das classes de EBD, ministérios, etc. Mas acho que estou muito bem lá. O Senhor tem derramado bênçãos sobre minha vida a cada culto. Me angustia o fato de não ter esse tempo oficial de oração e não estudar a palavra tão fielmente, mas estou tentando fazer isso. Sinto falta de um ministério também, pois, sempre fui envolvida no trabalho da igreja, mas acho que virá no tempo de Deus. Meu interior se exteriorizou e tudo que esteve guardado lá dentro por anos e anos, apareceu; e vem aparecendo. Comecei terapia com um psicólogo e fiquei deprimida, tendo que usar antidepressivos. Muitos são os meus “nós” psicológicos, mas o pior deles é uma sensação que tenho faz muito tempo, que é a sensação de não me sentir viva, e de não me reconhecer como pessoa. Associado a isso tenho mania de fantasiar muito, de viver num mundo paralelo, como você já falou em uma de suas cartas. Tenho também o que o psiquiatra chamou de “pensamentos obsessivos”... Isso acontece muito quando oro; sim, pensamentos diversos vêm na minha cabeça, mesmo que eu não queira. Tenho algumas características pessoais também que demonstram grande necessidade de agradar os outros. Não sei revidar, tento sempre agradar; ser a que não faz nada errado...Enfim. Sou muito sedutora também. Coisas que adolescente sente, também sinto. Tipo: quando homem olha para mim, acho que está apaixonado; e logo tento de alguma forma seduzi-lo. No meio de tudo isso me casei há três anos com alguém que não tinha certeza se amava. Fiz de tudo para que o casamento desse certo. Até abrir mão de ser eu mesma eu abri, mas nunca fui realmente feliz. Então nos separamos. Me envolvi com uma pessoa que inicialmente era um grande amigo, e que tornou-se emocionalmente importante, e acabamos tendo encontro físico também. Nos separamos, tentei retomar meu casamento, mas não conseguia amar o meu marido. Hoje estou com essa pessoa... vivendo... digamos... um namoro. É alguém que admiro, gosto, sinto prazer em estar junto, mas não sei se amo. Na verdade, aos trinta anos, não sei ainda o que é amor. Temos muita intimidade, posso falar tudo com ele, estou apaixonada, encantada, e acho que de alguma forma o amor virá... No momento estou usando anti-depressivos e ansiolíticos, e me sinto melhor da depressão, mas ainda cansada para tratar tudo isso. E para finalizar acho que tenho a síndrome de Peter Pan, de não querer crescer, não assumir minhas responsabilidades profissionais, não sei se por isso também nunca me senti amada. Sinto que serei uma estagiária para sempre, e sou médica há 5 anos. Continuo na terapia, mas queria sentar no seu divã e ouvi-lo. Por enquanto queria que me desse uma impressão, uma visão geral de tudo isso. Seria algo muito importante para mim. UM abraço... ___________________________________________________________________________________ Resposta: Minha querida amiga: Graça e Paz! Realmente seria muito melhor se pudéssemos conversar, ainda que fosse apenas on line. Há muito mais perguntas a lhe fazer do que respostas a dar. De fato, achei estranho o diagnóstico de pensamentos obsessivos. Qualquer pensamento pode se tornar tão neurótico que venha a se tornar obsessivo como pensamento; ou seja: é um pensamento que quer ser pensado o tempo todo. No entanto, esse “pensamento obsessivo” não vem do nada; ao contrário, revela dinâmicas interiores em processo e ebulição. Portanto, o “pensamento fixo” ajuda a mostrar o que existe no interior como realidade psíquica inconsciente, mas que é de onde vem a pulsão que se torna um pensar intenso e preso a si mesmo. A oração não é a mesma coisa que o ato de orar. Oração é o que acontece quando o coração fala sinceramente com Deus. Já o ato de orar pode ser apenas uma mecânica mental, patrocinada por impulsos os mais diversos, tanto externos quanto internos, mas que realizam não a oração, mas sim a fixação de pensamentos repetitivos mediante o ato de orar. Eu senti na pela, ainda criança, a angustia de orar de modo obsessivo. Meu pai havia perdido tudo no golpe militar de 64, e, por essa razão, mudamos do Amazonas para o Estado do Rio. Meu pai tinha inimigos, e, machucado que estava, odiava alguns deles. Dizia que se os visse os mataria. Minha mãe, todavia, temia por algo pior—que em seu desespero meu pai tirasse a própria vida. Para um menino, apaixonado pelo pai, e que o via sob a ameaça da morte, o impacto foi imenso. Eu passei o ano de 65 inteiro orando o tempo todo—jogando bola, na escola, vendo tv, em qualquer situação... Eu orava sem parar. Fui me enchendo de tiks nervosos. Pensei que iria ficar louco. Só Deus sabe o que aconteceu dentro de mim. Foi ali, aos 11 anos de idade, que pela primeira vez experimentei como o ato da oração repetitiva pode fazer um mal horrível à mente. A repetição mental aflita, e, supostamente dirigida a Deus, e que se faz repetir de modo angustiado, tem o poder de gerar grandes obsessões. A questão é discernir o tema e a quê ele se vincula em nós. O tema fala do interior, não de modo explicito, porém capaz de deixar perceber o que pulsa dentro da alma. É digno de nota que Jesus tenha falado em não orar como os pagãos, que fazem vãs repetições de prece, vinculando ao tema da ansiedade (Mt 6). Assim, Ele ensinava que até o ato de orar pode fazer mal quando se torna repetição. Ao invés de produzir paz, gera ansiedade. Notei no meio de tudo o que você disse uma certa neurose devocional. Uma angustia por não estar conseguindo praticar ritos devocionais; ao mesmo tempo em que você disse compensar isto orando o tempo todo para o Senhor, mesmo quando não está falando—ou seja: a mente não pára e não descansa. Ora, é próprio de uma pessoa ansiosa e insegura dizer “sim” para todas as coisas. Até para casar sem gostar; ou ter um caso durante o casamento sem ter certeza de gostar mesmo da pessoa. E mais: tal pessoa insegura poderá continuar... e, outra vez, dizer “sim” para o que não sabe se quer realmente. Você disse que até hoje não conheceu o amor. Veja: ninguém conhece o amor se é inseguro. Amar e receber amor, demanda coragem, peito, entrega, confiança, em si e no outro, e não ter medo de se machucar. Ora, essas coisas não habitam o coração de uma pessoa insegura. Assim, tal pessoa, sempre se deixa alugar pelo simulacro do amor, sem conhecê-lo jamais. Desse modo, minha querida, sempre retornamos ao início: a sua profunda insegurança, e que se manifesta como “pensamento obsessivo” mediante o ato de orar; e, também, mediante todas as demais coisas que você mesma confessou fazerem parte de seu modo de ser. Para insegurança o único remédio é confiança; é a fé. Mas como você terá confiança se é insegura? Ora, você terá que saltar na fé, e confiar. E isto vai implicar em que você vai crer e vai entregar; e não mais voltará para chocar nada. Uma vez na presença de Deus, então, na presença de Deus está. Pense nisso e me escreva. E, se puder, apareça no Divã aqui do site. Nele, que pede que ao pedirmos, confiemos, e não mais repitamos, pois, o nosso Pai celeste cuida de nós, Caio
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