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Histórias

O CAMINHO DA GRAÇA NO HOSPITAL

O CAMINHO DA GRAÇA NO HOSPITAL

 

 

 

 

 

O CAMINHO DA GRAÇA NO HOSPITAL

 

 

 

 

Gerilson é um amazonense esguio como um índio raro; fino, discreto, voz mansa, suave, olhar meigo, atitude cavalheira, olhos escuramente iluminados, boca larga, testa forte, pele delicada, e uma paciência eficiente. Ele tem 28 anos e é o enfermeiro particular diurno de papai.

 

Pelo nome dele dá para concluir que os pais são locais, de origem humilde, ambiente no qual é comum fazer do nome dos filhos uma combinação dos nomes dos pais. Assim, a Gerinalda e Gilson casaram e tiveram o Gerilson, por exemplo.

 

Aqui no Amazonas, fazer assim entre a população mais simples e nativa, é mais comum que Maria.

 

Entretanto, ele mesmo me disse que nasceu numa família pobre. Muito pobre. E que não facultava a ele a possibilidade do estudo. Mas que ele trabalhou desde menino e se manteve estudando sempre.

 

Perguntei como ele acabara se envolvendo e se apaixonando por enfermagem [pois ele é pura paixão pelo que é e faz].

 

“Acho que já nasci enfermeiro, seu Caio!” — disse rindo como um iluminado diz da revelação que recebeu de graça, como dom.    

 

“Como?” — quis saber; embora de algum modo meu coração soubesse que eu ouviria uma perola de confissão humana.

 

“Quando eu era menino, desde pequeno mesmo, eu saía pela rua catando bichinho doente. Esses que ninguém quer... Levava pra casa, limpava, tratava, curava, e soltava bom. Era gato, cachorro, passarinho, tudo. E eu dizia: O que quero é ver gente ficar curada. Mas eu não tinha como fazer os estudos. Então virei pintor. Pintava casas de 7 da manhã às 19 horas todos os dias. Pintei muita casa, seu Caio. Aí fui pintar numa firma. Trabalhei muito e me fizeram gerente. Quando eu virei gerente só trabalhava horário normal. Aí, eu disse: É a minha chance. E fiz o técnico de enfermagem. Mas já no primeiro ano me chamaram para atender assim, particular; e os enfermeiros que me chamavam eram os melhores. Então aprendi muito. Hoje já estou no 3º ano da faculdade de enfermagem. Sou muito feliz, seu Caio. Era tudo o que eu queria.”

 

“E se você pudesse..., você faria medicina?” — indaguei só pra ver uma coisa...

 

“Quem, eu? Ah! Não, seu Caio. Bom mesmo é ser enfermeiro. A gente cuida da pessoa do começo ao fim, todo dia; e quando perde, a gente sofre; mas quando ganha...; olha só: eu faço amigos pra sempre... Bom mesmo é ser enfermeiro. Médico é bom, mas pra quem gosta né? Eu gosto mesmo é de cuidar”.

 

Fiquei olhando pra ele emocionado, e lembrando de tanta coisa.

 

Por exemplo:

 

De gente que está sempre dizendo que não faz nada porque ninguém manda, convida ou dá oportunidade; de gente que escolhe na vida por status e por comparação, e nunca por amor, paixão, ideal, fé; de gente que diz que deseja ser pastor de gente, e que assim se diz, e que não tem um pingo do carinho, do cuidado, da atenção e da vontade de se envolver que o Gerilson tem; de como ele está virando turnos e turnos, não pelo dinheiro, mas pela paixão que papai provocou nele, e nós todos uns nos outros, a ponto de ele ligar fora do plantão para a UTI para saber de mau pai, ou ligar para o médico ou para mim; assim, do nada, só pra dizer que está junto e que ele é forte.

 

E mais, lembrei de como a Graça na Ordem de Melquizedeque nos faz deparar com os crentes mais belos da terra; de como os irmãos se acham pelo olhar e não pelo credo, embora a fé do Gerilson seja aquela do Centurião Romano dos evangelhos; de como ele e o parceiro-chefe dele, o Hilton, são amigos; e muito mais leais e colegas do que 99% dos pastores jamais conseguem ser uns dos outros; de como ele e os demais, conosco, formamos uma igreja de harmonia e amor, todos sentindo a mesma coisa, tendo o mesmo sentimento uns para com os outros, e todos em sincronia e sinfonia na oração de amor por papai;

De como a moça que casar com aquele rapaz-homem terá tudo para ser muito feliz; exceto se competir com o dom dele; e de como a vida é surpreendente, pois, eu jamais esperaria que o amor de Deus nos provesse com tanta gente boa de Deus tão de repente, tão do nada que é Tudo -Todo Dele. Sim, fazendo provisão de gente como o Gerilson, o Hilton, o Dr. Marcel, o Dr. Javier, o Dr. Gama, o enfermeiro Daniel, a Dra. Nalia, o Dr. Risonildo, a Dra. Lélia, e o Dr. Antônio Farias; ou os santinhos de esperança e amizade como o Olavo, orando à porta; o Deusdete que sente como se papai fosse de fato o pai dele; a Iara servindo como as mulheres que serviam a Jesus com seus bens e com amor; a Ângela pronta para tudo...; o Gildo que é da casa e é irmão; o Ray que é como um filho; e os parentes, os amigos, os que telefonam o dia todo, os que escrevem às centenas, os que vão doar sangue, os que se oferecem para tudo; enfim, tudo isso; e toda essa Graça!

 

 

Mas tudo isto me foi agora provocado pela lembrança do Gerilson. E também do Hilton, que está lá agora; e que já não dorme em casa há mais de 15 dias; e que me disse que só voltará a dormir em casa depois que meu pai, tendo voltado para casa, aqui em casa já não necessite mais dele — e que acabou de me telefonar dizendo que “o velhinho guerreiro está coradinho, todo sequinho, de banho tomado, perfumado, com a barba feita, os curativos atados, e todos os parâmetros clínicos mais que estáveis, e, por isso, disse ele: “Seu Caio, durma. Amanhã cedo eu ligo pra dizer como a noite foi boa, ta?”

 

 

Que essas parábolas da vida digam alguma coisa a você, assim como a mim elas têm dito demais.

 

 

 

Nele, que usa a quem quer e como quer — mas sempre pelo amor,

 

 

Caio

 

25/08/07

Manaus

Am

01h45min da manhã em Brasília.

 

 

 

     

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