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Reflexões

LIBERTANDO OS SENTIDOS: uma história de cheiro!

LIBERTANDO OS SENTIDOS: uma história de cheiro!

Quando eu era menino, tinha aversão a incensos.

 

Minha avó materna, a Mãe Velhinha, como a chamávamos, era daquelas crentes à antiga: anti-católica até ao tutano da alma.

 

Naquele tempo quase não se falava em macumba lá em Manaus.

 

Havia algumas macumbeiras oficiais, mas delas pouco se sabia.

 

Entretanto, acerca da idolatria católica e do nojo que se devia sentir de tudo o que se fazia numa missa ou ritual católico, muito se falava, e Mãe Velhinha era sempre o abano que abanava essas chamas lá em casa.

 

Lembro-me de um dia em que fui ser ‘alguma coisa’ na igreja católica. Era uma dessas coisas sociais entre meu pai, então agnóstico, e seus melhores amigos. Só sei que no rito o padre badalou incenso em minha cara e passou um pouco de saliva em minha testa, e eu, educado pela Mãe Velhinha, quase saí correndo de nojo da saliva e pela sufocação de natureza psicológica que o incenso provocara em mim; tudo isto pela influencia de minha avozinha querida.

 

Quando cheguei à adolescência, fui tomado pelas ondas dos anos 60, entrando moço esperto nos anos 70. E, como toda aquela geração, também amei os Beatles e os Rolling Stones.

 

Além disso, paradoxalmente, chorei emocionado com os que estavam em Woodstock sentindo o barato do século, ao mesmo tempo em que lutava Jiu-Jitsu não esportivo, sem pano, na mão; e não deixava barato um rolo na rua. Mas tudo era regado a muito “paz e amor”, valendo de modo absoluto a tal saudação apenas para as mulheres que não fossem feias.

 

Foi nesse tempo que os ventos da Era Hippie foram mais fortes do que as tempestades da Mãe Velhinha, e, apesar da doutrinação recebida na infância, abri meu olfato para gostar de cheiro de incenso, o qual soprava dos ventos suaves e sedutores do movimento mais significativo, feito por jovens pacíficos, que já houve na Terra.

 

Depois, em desespero de alma, vim a conhecer pela fé, e em meu espírito, Aquele que eu já conhecia como informação.

 

Então, pela total falta de convívio com os incensos, acabei por me esquecer de seu cheiro, quando é de boa qualidade. Além do mais, entre os Evangélicos, incenso era coisa de católico, de macumbeiro, de indiano, de budista, e, por último, de gente da Nova Era.

 

Enfim, não havia lugar para incenso ser cheiroso entre os Evangélicos, os quais, nunca tomam posse do que é bom, uma vez que alguma pessoa ‘estranha’ dela tenha feito uso antes.

 

É por essa razão que os primeiros evangélicos chegaram ao Brasil desejando colocar sino e cruzes em seus templos, porém, por uma intervenção católica, que desejava estabelecer a diferença entre a Religião e a seita a partir até mesmo da configuração arquitetônica; e, exercendo o poder que tinha, fez passar uma lei que proibia os protestantes de construírem templos com torres, sinos e cruzes.

 

Ora, a decisão católica foi tão provocadora de ódio entre os crentes, que, as gerações seguintes, ignorantes da história, passaram a abominar por décadas qualquer presença desses elementos em salões de culto protestantes, pois, agora, haviam se tornado uma ‘coisa do gosto do diabo’; e encarnada na preferência arquitetônico-idolátrica dos católicos.

 

E assim vai...

 

Eu, todavia, lia a Bíblia, e comentava com meu pai que achava estranho que as Escrituras estivessem tão cheias de incenso do Velho ao Novo Testamento, e, ainda assim, os incensos estivessem banidos como coisa do diabo no meio cristão protestante, não só como elemento de valor estético-olfativo num culto, como até mesmo na vida privada das pessoas que gostam do aroma.

 

No entanto, em 1977, tive a chance de ir pela primeira vez a Israel e à Europa, passando uns seis meses por lá, livre para viajar e conhecer o mundo.

 

Aquela viagem mudou muita coisa no meu sentir da vida outra vez.

 

Sim, porque percebi o quanto Deus falava comigo através da História, das Artes, e da diversidade humana e cultural.

 

Assim, vi-me emocionado assistindo missas, não pela coisa em si, mas pela ambiência.

 

Tornei-me freqüente nas missas de Notre Dame. Entrei dezenas de vezes no Louvre em espírito de devoção. Sem falar que em Jerusalém tive profunda comunhão com um padre católico que me encontrou perdido na rua.

 

O mais interessante é que passei a gostar muito de cheiro de incenso outra vez. Sim, onde havia um incenso de boa qualidade ventando no ar, ali eu dava uma respirada boa e gostosa.

 

E minha leitura da Bíblia ia ficando cada vez mais cheia de cheiro de incenso, sempre que ele era mencionado, tanto nos cultos no Tabernáculo, como também nas solenidades diárias do templo de Jerusalém. E até mesmo a Jesus ele é trazido como oferenda de adoração: ouro, incenso e mirra. Entretanto, é no Apocalipse que o incenso aparece com extrema significação, pois, é dito que o incenso que sobe à Presença Dele, é a representação das orações dos santos.

 

E mais: se diz que taças desses incensos-orações são derramados sobre a Terra, e, por elas, vêm trovões, tremores, catástrofes e terremotos.

 

Mas, para crente, incenso é coisa do diabo, mesmo que se diga no Apocalipse que ele simboliza a oração dos santos.

 

Assim, se alguém de bom gosto vier a gostar de algo que é bom, e se esse alguém não é crente, e se essa coisa boa for aceita por todos os não-crentes, e por todos apreciada, então, mesmo que ela seja boa e neutra, passará a ser má e contaminada pelos olhares evangélicos.

 

E isto porque a mente “evangélica” carrega o espírito de servidão de Esaú, e de inveja que nele também havia; pois, tendo a promessa do Evangelho de serem herdeiros conscientes de todas as coisas, trocam seu direito de primogenitura pelo prato de lentilhas da burrice espiritual que lhe é servida como pasto pela religião do retrocesso.

 

Onde foi parar a certeza de que todas as coisas são puras para os puros?

 

Onde foi parar a convicção de que o que contamina não é o que entra no homem pela boca ou qualquer via, mas sim o que lhe sai da boca, pois, isso sim, procede do coração?

 

Onde foi parar a alegria com o fato de que, sendo nós de Cristo, tudo é nosso, seja a vida, seja a morte, sejam as coisas presentes ou do porvir...?

 

Onde foi parar a certeza libertadora de que o ídolo ou qualquer coisa, nada é e nada são, de si mesmos, coisa alguma; exceto se o olhar daquele que os contemplar assim vier a imantá-los de poderes para a própria pessoa, e apenas para ela, e contra ela própria?

 

O que vejo é o contrário do que Jesus afirmou sobre Sua Igreja, a qual, segundo Ele, não recuaria jamais, a ponto de as Portas do Inferno não prevalecerem contra ela, porque por ela, em Seu Nome, seriam arrebentadas.

 

Vejo, ao contrário disso, uma “igreja” acuada, ignorante, Esaú-ficada, invejosa, e que vende seu direito de primogenitura sobre todas as coisas, apenas porque alguém, em algum lugar, faz uso daquele elemento com finalidades perversas, ou por pura ignorância a ele (o elemento) atribui poderes nele inexistentes.

 

Nesse caso, o tal elemento, seja ele qual for, por mais que esteja carregado de ricas simbolizações bíblicas, será imediatamente banido como coisa do diabo e que carrega em si grande poder de contaminação espiritual.

 

Eu comecei dizendo que quando era menino... sentia coisas de menino. Agora, estou dizendo que quando cheguei a ser homem em Cristo, desisti das coisas de menino.

 

E você?

 

Em que fase da jornada está?

 

Lembre-se: em Cristo o mundo é nosso, assim como a vida e a morte; pois, Nele, todas as coisas criadas são boas, se recebidas com gratidão a Ele.

 

Afinal, Nele, o que é bom é bom; o que é gostoso, é gostoso; o que cheiroso, é cheiroso; e o que é agradável não tem que ser confessado como desagradável, sob pena de se estar praticando grande ingratidão contra o Criador de nossos sentidos.

 

Pense nisso!

 

 

Caio

 

Copacabana - 2003

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