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Devocionais

OS “SANTOS” QUE POLUEM A TERRA!

OS “SANTOS” QUE POLUEM A TERRA!

Não posso negar que tenho horríveis problemas com as formas de mortificação que foram praticadas por muitos candidatos a santos da igreja. De fato, sempre tive forte resistência em meu espírito aos conteúdos de mortificação também dos Puritanos, isto para ficarmos no âmbito do Protestantismo, apenas. Que os que se mortificam são amiúde, em certos sentidos, muito piores do que os que não se mortificam, é um lugar comum da história, do romance e da psicologia descritiva. Sem falar que a vida eclesiástica nos esmaga de manifestações deste fato. É assim que o Puritano pratica todas as virtudes cardeais—a prudência, a força da alma, a temperatura e a castidade—, e, apesar disso, continua a ser, muitas vezes, um homem fundamentalmente mau; pois, em muitos casos, infelizmente, as virtudes que ele pratica são acompanhadas dos pecados—e que a elas serão ligadas por uma ralação de causa e efeito—do orgulho, da inveja, da cólera crônica e de uma descaridade levada, às vezes, ao nível da crueldade ativa. Será que estou exagerando? Tornando o meio em fim, o Puritano imaginou-se santo por ser estoicamente austero. Mas a austeridade estóica é tão-somente a exaltação do lado mais moralmente estimável da mesma doença humana. A verdadeira santidade, pelo contrário, é a negação total do “eu-separativo”, tanto nos aspectos “estimáveis” (aqueles cultuados como virtude), quanto nos aspectos “não-estimáveis” (aqueles considerados indecentes, conforme a moral). Sim, a verdadeira santidade leva a totalidade da vida para a luz de Deus; e se entrega à vontade de Deus; e nisto não há virtuosismo moral, mas tão somente rendição existencial. Na medida em que há apego ao “eu”, ao “mim”, ao “meu”, ao “si-mesmo”, não há amor genuíno a Deus, e, portanto, não há conhecimento-fusão com Deus. E isto acontece mesmo quando o “eu” é dito como negado, posto que na maioria das vezes a “negação do eu” apenas corresponde ao fortalecimento da “persona religiosa” que se jacta de ter negado o eu, quando, de fato, o que fez foi apenas fortalecer o “si-mesmo”. A verdadeira mortificação tem de ser levada ao nível do desapego, da santa indiferença ou da santa irresponsabilidade. Se for de outra forma, ela se limita a transportar a vontade do “eu”—que é o “si-mesmo”—de um canal para outro. E isto acontece sem um decréscimo sequer do volume total da vontade do “si-mesmo”; ao contrário, na maioria das vezes, tal ato de negação puritana, até mesmo vem acompanhado de um aumento real desse volume do “si-mesmo”. Como sempre acontece, a corrupção do melhor gera o que é pior! A diferença entre o estóico mortificado (que existe na negação), mas que é ainda orgulhoso e centrado em si mesmo (em seu poder de se mortificar) , e o hedonista não-mortificado (aquele que vive para satisfazer desejos), consiste no seguinte: sendo frouxo, indolente e, no fundo, tendo vergonha de si mesmo, falta ao hedonista energia e motivo para causar muito dano a quem quer que seja, a não ser ao seu corpo, à sua mente e ao seu espírito; mas porque ele, pela força de suas dês-virtudes morais, possui todas as virtudes secundárias, ele “olha para cima”, para os que não são “perdidos” como ele, e os respeita. Já o primeiro, o Puritano estóico, sente que está moralmente equipado para desejar e poder fazer o mal na maior escala possível com uma consciência perfeitamente tranqüila, pois, só enxerga o mal como algo moral, portanto, pertencendo ao mundo do comportamento exterior, e, assim, como nesse quesito ele se sente bem, ele usa sua força, “de cima”, para esmagar os fracos e diferentes. Estes são fatos óbvios; e, como demonstra a gíria religiosa corrente do nosso tempo, a palavra “imoral” está quase que exclusivamente reservada aos que se entregam aos prazeres da carne. Os lascivos enrustidos e os ambiciosos, os durões respeitáveis e os que mascaram seu apetite de poder e colocam-no debaixo da espécie conveniente de linguajar moral e religioso, não são apenas isentos de censura; são até apresentados como paradigmas de virtude e santidade. Os representantes das igrejas organizadas começam colocando “arcos de luz santa” nas cabeças das pessoas que se esforçam ao máximo para desencadear guerras e revoluções em nome da liberdade, da moral cristã, e de um mundo cheio dos “nossos valores”, todos considerados superiores. Depois, ao verem o que seus próprios valores criam na Terra, saem choramingando, põem-se a perguntar por que está o mundo numa confusão tão grande. E concluem que é coisa do diabo! Serão libertados no dia em que virem que eles são diabo, disfarçados de anjos de luz! A mortificação proposta por Jesus, a do “si-mesmo”, não é, como muita gente parece imaginar, uma questão de severas austeridades físicas. Para certas pessoas, em certas circunstâncias, é possível que a prática de severas austeridades físicas se revele útil ao progresso no rumo do fim último do homem. O jejum é um exemplo disso. E eu mesmo já muito me beneficiei espiritualmente de sua prática em amor. Mas na maior parte dos casos, entretanto, teria que se dizer que o que se ganha com tais austeridades não é a libertação, mas algo totalmente diverso—a obtenção de poderes “psíquicos”. A capacidade de obter o “resultados espirituais”, o poder de curar e operar outros milagres, o dom de enxergar o futuro ou a mente de outras pessoas—parece que todos esses fatos estão freqüentemente relacionados, numa espécie qualquer de conexão causal, com o jejum, a vigília e a dor infligida ou suportada em nós mesmos. A maioria dos grandes santos e mestres espirituais cristãos admitiram a existência de poderes supernormais, mais somente para deplora-los. Eles temiam tais poderes sem ligação com o amor de Deus, e que é sempre manifesto como fruto de amor ao próximo, na vida. Pensar que tais “poderes” têm algo a ver com a libertação, é uma ilusão perigosa, conforme Jesus, em Mateus 7: “Apartai-vos de mim... Nunca vos conheci”. Ora, essas coisas ou são irrelevantes para a finalidade principal da vida (que é espiritual, e que é mergulhar o homem no amor de Deus), ou, se lhes conferirmos um valor e uma atenção excessivos, representam um obstáculo no caminho do progresso espiritual, pois travam a vida na camada dos “poderes”, e não a levam na vereda da ligação intima com Deus. Geralmente empolgam-se tanto com os resultados que acabam por esquecer de Deus. As austeridades físicas, levadas a extremos, podem ser perigosas à saúde psíquica—e, sem saúde psíquica, a firme persistência do esforço requerido pela vida espiritual é muito difícil de conseguir. E, sendo difíceis e dolorosas, as austeridades físicas são uma tentação constante para a vaidade e para o espírito competitivo que visa à quebra de recordes espirituais, como vemos acontecer entre nós. Os “santos” são os mais arrogantes e vaidosos! O caminho da mortificação do Puritano, entretanto, é a vereda da negação não do “si-mesmo”, mas da vida. O “si-mesmo”, no Puritano é fortalecido como a virtude da imagem moral, e como a forma mais elevada de conduta. Mas é também o caminho da carne. O caminho da carne pode se esconder sob o disfarce da santidade moral, mas não consegue esconder a perversão do ser, especialmente na forma do orgulho e da vaidade de sua falsa superioridade. Caio
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